Começamos este comentário com essa frase da trupe do Teatro Mágico (banda paulista de música, teatro, circo... que recomendamos) que expressa, de forma clara e direta, o que hoje queremos propor ...
A Campanha da Fraternidade deste ano nos convida a refletir sobre a necessidade de maior segurança pública, ao tempo que nos urge atuar em defesa da paz, fomentando a justiça. Realmente são palavras profundas: justiça, paz, não-violência... Tão profundas que poderíamos pensar que pelo fato de falar sobre elas, de enfeitar paredes e cadernos, de cantá-las e gritá-las, já as estamos vivendo. E na verdade o que acontece é que nos enganamos, tranquilizamos nossa consciência e continuamos vivendo do mesmo jeito, favorecendo (por ação ou por omissão) a violência imperante nas relações sociais, a injustiça institucionalizada e a insegurança pública, que se aceitam como “situação normal”.
Pegamos carona das palavras do Teatro Mágico para convidar à reflexão crítica e construtiva: está claro que para edificar a paz devemos ser pessoas pacíficas; para criar justiça, devemos ser pessoas justas; para acabar com a violência devemos ser pessoas não-violentas e para transformar a realidade devemos nos sentir incomodados com ela. É fácil se acostumar ao prazeroso e gostoso, e poderia parecer difícil se acostumar ao que desgostamos ou desprezamos, mas infelizmente não é assim. A nossa psicologia é complicada. É fácil se acomodar com o que incomoda. É fácil renunciar a certos valores quando a vivência dos mesmos se traduz em esforço, conflito, risco, perseverança, disciplina... É fácil ceder ao desalento, ao desânimo, ao pessimismo quando não percebemos imediatamente o resultado positivo de nossas ações. É fácil aceitar hoje como normal o que ontem rejeitava, principalmente depois de perceber que para a maioria, efetivamente, é normal. É uma grande tentação deixar de ser eu mesmo para me assimilar aos demais, renunciar ao que me faz diferente e único para não chamar atenção do que é “opinião comum”.
Acomodamo-nos com o que produz revolta, enfado, enjoo, tristeza, dor, desorientação, sofrimento, morte... Acomodamo-nos com qualquer coisa quando nos preocupamos mais com a imagem que os outros fazem de mim do que com sermos fiéis aos nossos princípios e valores; quando damos preferência a lemas como “é melhor evitar conflitos” ou “esse não é assunto meu”; quando pensamos mais nos riscos que podemos correr do que naquilo que poderíamos lograr; quando o “eu” individualista e medroso impõe-se ao “nós” solidário e decidido. Acomodamo-nos até com os nossos defeitos pessoais, projetando-os nas outras pessoas, justificando-nos a cada momento, enxergando o “cisco” no olho do outro e tolerando a “trave” no próprio.
Poderíamos pensar que nas circunstâncias atuais é melhor e mais seguro se acomodar com certos incômodos para não entrar nos conflitos resultantes da crítica, da denúncia e da discordância. Poderíamos até passar do pensar ao fazer, renunciando de fato a valores importantes para não criar problemas... poderíamos? Infelizmente, já faz tempo que assim fazemos!
Almejamos, pedimos, exigimos uma sociedade em paz, sem violência, na qual se respeite a pessoa e se garanta sua dignidade (ou será sua “propriedade”), privilegiando o direito de viver seguro e tranqüilo (ou será o direito de viver “indiferente”), garantindo a sobrevivência das sãs tradições (ou será que as coisas continuem como estão), garantindo a tranquilidade da vida familiar (ou será que ninguém mexa com o nosso estilo de vida, mesmo seja causa de quase todos os problemas sociais).
Queremos uma sociedade mais justa e pacífica, mas não estamos dispostos a pagar preço algum por essas conquistas. Reivindicamos o fim da pobreza, celeiro de delinqüentes, mas todos sabemos que não acabaremos nunca com a pobreza mantendo nosso atual nível de consumo. Exigimos que as autoridades nos protejam, mas nós não nos sentimos responsáveis pela segurança dos realmente inseguros (excluídos, necessitados, indefesos). Gritamos, mas não oferecemos estilos de vida alternativos. Que sejam outros os que façam, os que transformem, os que mudem as coisas, mas sem mexer comigo nem com os meus... Assim é difícil!
Acomodamo-nos com o que incomoda porque fazemos parte dos que incomodamos, por ação ou por omissão, porque não nos colocamos no lugar dos realmente incomodados, atropelados, sacrificados.
Começávamos convidando a uma reflexão crítica e construtiva, toda crítica é sempre construtiva quando acolhida com humildade, sem prepotência e sem necessidade de se justificar. Nossa missão é educar para transformar, libertando a pessoa de seus próprios enganos, ensinando a enxergar um mundo maior, abrindo o coração à família humana. Muitas situações da sociedade e do mundo nos incomodam e podemos reagir de diferentes formas: olhar para outra parte, fazer-nos de vítimas, jogar a culpa e a responsabilidade nos outros, pedir a Deus que faça sua parte (e não é que Ele já fez sua parte? Não criou você, e eu e todos/as?), podemos nos sentir parte do problema e da solução, podemos nos comprometer com as vítimas (porque nunca a solução estará nos verdugos) e criar novos modelos de relacionamento, de estilo de vida, de custo de vida, de sentido da vida...
No Colégio São Miguel Arcanjo queremos ser fiéis à proposta de São José de Calasanz: chega de jogar a culpa dos problemas sociais nos outros, comprometamo-nos com a verdadeira transformação social educando pessoas diferentes, que não aceitem como normal o que nunca deveria acontecer; que não se excluam dos problemas, mas que ofereçam respostas eficazes; que construam vidas solidárias, para não continuar criando inúmeros mundos pequenos e egoístas; que não se acomodem com o que incomoda, em si próprias e na sociedade.
Para realizar esta ambiciosa missão precisamos dos melhores esforços de todas as pessoas envolvidas, porque na casa ou na escola, todos/as somos educadores/as, “cooperadores da verdade” em palavras de Calasanz. Que ele continue intercedendo sempre por nós.
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