28 de outubro de 2009

Limites no contexto familiar

Cada vez mais descobrimos a necessidade e urgência de estabelecer limites na educação das crianças. Mas qual é o verdadeiro problema da falta de limites de crianças, adolescentes e jovens. É um problema somente das novas gerações ou da nossa cultura atual? ...



PDF com a palestra ministrada no Colégio Ibituruna de Gov. Valadares no dia 27 de outubro de 2009.

5 de outubro de 2009

Espírito Olímpico

É de todos conhecido o ditado olímpico, não sei se oficial ou popular, que reza: "o importante é participar". Por este caminho quero conduzir minha reflexão de hoje. O importante é participar quando garantida a igualdade de condições de todos os competidores. Mas quando as condições não são as mesmas, o que é realmente o importante? ...

Tenho a sorte de viver estes dias de "decisão olímpica" na Espanha, último e definitivo concorrente superado pelo Brasil. Estão sendo dias de contrastados sentimentos: alegria ou tristeza, entusiasmo ou decepção, comemoração ou frustração, dependendo da perspectiva adotada: espanhola ou brasileira. As olimpíadas se realizam numa cidade, por isso os projetos apresentados não são nacionais, no entanto cada cidade candidata representa o país todo, é por isso que não falo de Rio ou Madri, mas de Brasil e Espanha.

Na decisão final, o Comitê Olímpico Internacional teve de escolher entre dois países bem diferentes: Brasil e Espanha. As duas candidaturas se apresentavam como apostas diferentes, Madri como aposta pelo presente e Rio pelo futuro. Espanha se apresenta pelo que foi e pelo que é: uma história e cultura milenares, tradições, instituições e infra-estruturas que garantem segurança, diversão, hospitalidade... Brasil, ao contrário, apresenta um futuro que está nascendo no meio de uma realidade difícil: representando aos países empobrecidos (mais do que "países em desenvolvimento") reclama sua vez no mundo (não só no olímpico, mas no mundo todo), porque a pobreza, a violência, a injustiça não fazem parte do projeto de país que o Brasil (e tantos outros países do Sul) estão desenvolvendo, fazem parte de uma história e de um modelo sócio-econômico e político imposto por muitos séculos e que agora carregamos com todas suas consequências.

No momento histórico que estamos vivendo, contexto mundial de crise econômica (e crise do modelo neoliberal, embora quase ninguém relacione a crise com o modelo que a causou), a candidatura brasileira se apresenta como alternativa aos mitos do modelo global atual: alternativa ao mito de que somente desde o modelo do primeiro mundo se pode ter voz nesta história; alternativa ao mito de que a riqueza exagerada de uns poucos arrastará todos a um crescente bem-estar (Brasil conhece muito bem as consequências disso); alternativa ao mito sobre as verdadeiras necessidades da pessoa e da sociedade (para sermos felizes precisamos de liquidez econômica para manter um alto nível de consumo, segurança pública para que ninguém se aproveite de nossas conquistas individuais, e de um governo fraco no momento de pedir impostos e forte para nos atender eficientemente com todos os serviços públicos possíveis).

E por que falo de alternativa? Brasil hoje se apresenta como uma potência mundial (emergente a chamam os ricos), mas o que tem de diferente esta potência?

No início da crise mundial os setores econômicos brasileiros, que sempre estiveram ligados ao poder, criticavam o governo por "ignorar" a mesma, por não se preparar para enfrentá-la, por pensar que "sabia mais" ou que era melhor que os outros países mais ricos e poderosos arrastados já pelas correntezas da crise. A resposta sempre foi a mesma: a crise não nos afetará da mesma forma, porque neste momento nossa economia não é como a dos países ricos, por isso responderemos dando continuidade à política econômica que já estamos implementando. Mas a verdadeira diferença não se encontra só na política (que é consequência e não causa), senão no modelo de sociedade que se tem. Quem vive num país cheio de tantas possibilidades como escandalosas desigualdades, de experiências antigas e atuais de exploração, sempre acostumado a engordar o "gado" próprio ou alheio com a fome do povo, e se posiciona nessa realidade com atitude comprometida, não pode senão afirmar que o único futuro possível para uma humanidade em condições tão desiguais, é se igualar por abaixo, nos mínimos fundamentais para garantir uma vida digna (que não fácil nem cômoda, porque a vida do ser humano é qualquer coisa menos isso), realmente humana e para todos os seres humanos de hoje e do futuro. A economia resultante dessa opção visa democratizar uma renda mínima digna, aumentando a produção e consumo dos bens básicos (mesmo seja diminuindo a produção e consumo de bens desnecessários e de luxo). A consequência imediata é uma parada brusca nos índices macroeconômicos do país, o que indica menos lucro para os grandes grupos econômicos nacionais e internacionais (e por isso este modelo econômico é perseguido por eles e pelas instituições internacionais que garantem seus privilégios).

A olimpíada brasileira pode ser o momento de mostrar ao mundo que a solução da crise e de todas as crises (aquelas que continuam matando milhões de pessoas inocentes, sem contas nos bancos, nem créditos, nem ações na bolsa) não se encontra na concorrência para se apropriar da riqueza, mas na construção solidária de um verdadeiro e básico bem-estar para a humanidade toda.

No extremo oposto encontramos a situação da Espanha, país que exemplifica o boom do novo modelo. Com uma economia focada na produção rápida de "riqueza virtual": sustentada na geração ilimitada de necessidades, condição básica para poder comercializar uma exagerada produção de bens desnecessários (já que a tecnologia se aplica somente na produção de bens supérfluos para facilitar a vida de alguns humanos, não na sustentabilidade da vida humana mesma), riqueza que se movimenta no mercado irreal da especulação e na produção ilimitada de lucro não investido, mas negociado. Espanha substituiu uma economia produtiva por outra comercial e de serviços, transformou a maior parte da população em classe-média, consumidora insaciável, centrada no seu próprio bem-estar sem se importar pelo preço do mesmo (que outros pagam, claro). Quando a crise mundial chegou, Espanha afundou no mar das falências, do fechamento de pequenas empresas e negócios, do desemprego, da inadimplência, da diminuição do consumo. As soluções até agora oferecidas visam manter o mito da classe-média, e o modelo da sociedade de consumo e do mercado virtual global. Ainda mergulhando nas dolorosas consequências da crise, Espanha apresenta hoje a ilusão do modelo que perseguiu e que nunca chegou a construir: uma sociedade acolhedora (não se fala dos problemas raciais e culturais que hoje existem), segura (se omite a violência inter-racial, da delinquência ou por diversão que hoje acampa na sociedade espanhola), culta (é só estudar as pesquisas e os índices de qualidade do ensino no país, ou o estilo de vida de adolescentes e jovens espanhóis, para se perguntar o que significa "ter cultura"). Espanha se apresenta como um mundo feliz, enquanto seu modelo de prosperidade e bem-estar se desmorona, sendo os mais prejudicados aqueles que, antes nos seus países e agora aqui, pagam com a miséria (ou com empregos sem condições dignas e mal remunerados) o preço do progresso dos desenvolvidos, "o norte" (mundial e de cada país).

Nos jogos olímpicos o importante é participar e que vença o melhor, mas nas olimpíadas da vida o primeiro e urgente é igualar as condições de todos os competidores, para que vençamos todos. Esse é o verdadeiro espírito olímpico que devemos criar, nos jogos, na política, na economia... 2016 é uma boa oportunidade para que o Brasil, país que está tentando criar um modelo diferente e verdadeiramente democrático (de todos e para todos), mostre ao mundo o que significa o espírito olímpico na vida das pessoas, das sociedades e do mundo.

3 de outubro de 2009

Família classe média... qualquer coisa menos uma família.

Demos uma olhada rápida, crítica e irônica sobre o modelo de família que a sociedade do bem-estar nos propõe, a família "classe média" ...

Casal “eternamente jovem”, com um ou dois filhos, trabalhando a todo vapor a fim de obter os recursos necessários para manter um nível alto de consumo e conforto;
Sem tempo para si mesmos (por isso têm que procurar momentos “sem filhos”) e muito menos para os outros;
Que gasta quanto tem e por isso está sempre apertado financeiramente;
Que valoriza mais a imagem pública de família que a verdadeira realidade familiar;
Que cuida mais do carro (ou do notebook, ou do cachorro) que do filho;
Que chega em casa pela noite morto (depois de sacrificar a vida para que os filhos, e eles, possam ter o que têm);
Que aluga os filhos à escola para que se ocupe deles (e não só de sua educação, mas deles fisicamente).
Uma família cujo mundo começa e termina na porta da casa, do carro, do clube ou do sítio.
Uma família cujo “universo” se encontra representado no shopping: enorme vitrine que oferece um mundo bonitinho, prazeroso, gostoso e cheiroso, todo um paraíso de desejos e vontades, onde você é o que aparenta e consome.
Os filhos destas famílias encontram no mundo virtual seu verdadeiro mundo: relacionamentos impessoais controlados pela própria vontade (basta um clique no mouse), janelas que nos abrem a experiências intensas e emocionantes, um mundo de fantasia que pode se tornar realidade, principalmente quando a “realidade real” é tão pouco atraente.

1 de outubro de 2009

"Não acomodar com o que incomoda"

Começamos este comentário com essa frase da trupe do Teatro Mágico (banda paulista de música, teatro, circo... que recomendamos) que expressa, de forma clara e direta, o que hoje queremos propor ...

A Campanha da Fraternidade deste ano nos convida a refletir sobre a necessidade de maior segurança pública, ao tempo que nos urge atuar em defesa da paz, fomentando a justiça. Realmente são palavras profundas: justiça, paz, não-violência... Tão profundas que poderíamos pensar que pelo fato de falar sobre elas, de enfeitar paredes e cadernos, de cantá-las e gritá-las, já as estamos vivendo. E na verdade o que acontece é que nos enganamos, tranquilizamos nossa consciência e continuamos vivendo do mesmo jeito, favorecendo (por ação ou por omissão) a violência imperante nas relações sociais, a injustiça institucionalizada e a insegurança pública, que se aceitam como “situação normal”.

Pegamos carona das palavras do Teatro Mágico para convidar à reflexão crítica e construtiva: está claro que para edificar a paz devemos ser pessoas pacíficas; para criar justiça, devemos ser pessoas justas; para acabar com a violência devemos ser pessoas não-violentas e para transformar a realidade devemos nos sentir incomodados com ela. É fácil se acostumar ao prazeroso e gostoso, e poderia parecer difícil se acostumar ao que desgostamos ou desprezamos, mas infelizmente não é assim. A nossa psicologia é complicada. É fácil se acomodar com o que incomoda. É fácil renunciar a certos valores quando a vivência dos mesmos se traduz em esforço, conflito, risco, perseverança, disciplina... É fácil ceder ao desalento, ao desânimo, ao pessimismo quando não percebemos imediatamente o resultado positivo de nossas ações. É fácil aceitar hoje como normal o que ontem rejeitava, principalmente depois de perceber que para a maioria, efetivamente, é normal. É uma grande tentação deixar de ser eu mesmo para me assimilar aos demais, renunciar ao que me faz diferente e único para não chamar atenção do que é “opinião comum”.

Acomodamo-nos com o que produz revolta, enfado, enjoo, tristeza, dor, desorientação, sofrimento, morte... Acomodamo-nos com qualquer coisa quando nos preocupamos mais com a imagem que os outros fazem de mim do que com sermos fiéis aos nossos princípios e valores; quando damos preferência a lemas como “é melhor evitar conflitos” ou “esse não é assunto meu”; quando pensamos mais nos riscos que podemos correr do que naquilo que poderíamos lograr; quando o “eu” individualista e medroso impõe-se ao “nós” solidário e decidido. Acomodamo-nos até com os nossos defeitos pessoais, projetando-os nas outras pessoas, justificando-nos a cada momento, enxergando o “cisco” no olho do outro e tolerando a “trave” no próprio.

Poderíamos pensar que nas circunstâncias atuais é melhor e mais seguro se acomodar com certos incômodos para não entrar nos conflitos resultantes da crítica, da denúncia e da discordância. Poderíamos até passar do pensar ao fazer, renunciando de fato a valores importantes para não criar problemas... poderíamos? Infelizmente, já faz tempo que assim fazemos!

Almejamos, pedimos, exigimos uma sociedade em paz, sem violência, na qual se respeite a pessoa e se garanta sua dignidade (ou será sua “propriedade”), privilegiando o direito de viver seguro e tranqüilo (ou será o direito de viver “indiferente”), garantindo a sobrevivência das sãs tradições (ou será que as coisas continuem como estão), garantindo a tranquilidade da vida familiar (ou será que ninguém mexa com o nosso estilo de vida, mesmo seja causa de quase todos os problemas sociais).

Queremos uma sociedade mais justa e pacífica, mas não estamos dispostos a pagar preço algum por essas conquistas. Reivindicamos o fim da pobreza, celeiro de delinqüentes, mas todos sabemos que não acabaremos nunca com a pobreza mantendo nosso atual nível de consumo. Exigimos que as autoridades nos protejam, mas nós não nos sentimos responsáveis pela segurança dos realmente inseguros (excluídos, necessitados, indefesos). Gritamos, mas não oferecemos estilos de vida alternativos. Que sejam outros os que façam, os que transformem, os que mudem as coisas, mas sem mexer comigo nem com os meus... Assim é difícil!

Acomodamo-nos com o que incomoda porque fazemos parte dos que incomodamos, por ação ou por omissão, porque não nos colocamos no lugar dos realmente incomodados, atropelados, sacrificados.

Começávamos convidando a uma reflexão crítica e construtiva, toda crítica é sempre construtiva quando acolhida com humildade, sem prepotência e sem necessidade de se justificar. Nossa missão é educar para transformar, libertando a pessoa de seus próprios enganos, ensinando a enxergar um mundo maior, abrindo o coração à família humana. Muitas situações da sociedade e do mundo nos incomodam e podemos reagir de diferentes formas: olhar para outra parte, fazer-nos de vítimas, jogar a culpa e a responsabilidade nos outros, pedir a Deus que faça sua parte (e não é que Ele já fez sua parte? Não criou você, e eu e todos/as?), podemos nos sentir parte do problema e da solução, podemos nos comprometer com as vítimas (porque nunca a solução estará nos verdugos) e criar novos modelos de relacionamento, de estilo de vida, de custo de vida, de sentido da vida...

No Colégio São Miguel Arcanjo queremos ser fiéis à proposta de São José de Calasanz: chega de jogar a culpa dos problemas sociais nos outros, comprometamo-nos com a verdadeira transformação social educando pessoas diferentes, que não aceitem como normal o que nunca deveria acontecer; que não se excluam dos problemas, mas que ofereçam respostas eficazes; que construam vidas solidárias, para não continuar criando inúmeros mundos pequenos e egoístas; que não se acomodem com o que incomoda, em si próprias e na sociedade.

Para realizar esta ambiciosa missão precisamos dos melhores esforços de todas as pessoas envolvidas, porque na casa ou na escola, todos/as somos educadores/as, “cooperadores da verdade” em palavras de Calasanz. Que ele continue intercedendo sempre por nós.

A violência é para brincar... E só para isso.

Educar para a paz em meio a este mundo violento

Estamos assistindo, já desde algumas décadas, a um processo meteórico de aumento da violência no cotidiano da vida e das relações sociais. Hoje é normal, e infelizmente para muitos, emocionante, assistir ao vivo a dramas, tragédias, violência, morte... que acontecem em qualquer canto do mundo. As tecnologias nos aproximaram mais da realidade, possibilitando uma informação global em tempo real, mas também serviram para padronizar gostos, comportamentos e modas ...

O mundo urbano contemporâneo, com seu ritmo de vida frenético, com sua proposta de aproveitamento máximo de cada segundo para produzir materialmente e, desta forma, poder comprar depois. Este modelo de vida e de pessoa produz um altíssimo grau de frustração: todo o dia envolvidos por uma publicidade que alimenta ilimitadamente nossos desejos e a realidade que nos demonstra que não é possível ter tudo quanto se deseja. Esta frustração, somada ao estresse de quem tenta exprimir ao máximo os limites do real para satisfazer o maior número possível de desejos, acaba produzindo pessoas e sociedades à beira da paranóia. Frustração, estresse, individualismo, necessidade de satisfação imediata dos desejos, geram cotas imensas de agressividade que, quando não sabemos canalizar e transformar em impulso e força para a vida, facilmente se converte em violência (projetar em algo ou alguém a causa de minha frustração ou a solução aos meus problemas, descarregando contra ele minha agressividade).

Os comerciantes deste mundo, sempre ávidos de riqueza, descobriram que a violência atrai (seja exercida ou observada) para descarregar por meio dela a agressividade que nos asfixia e enjoa. A criança aprende a mexer com a violência por meio do jogo, da brincadeira, misturando muitas vezes o real com o imaginário. O próprio jogo vai ensinando onde estão os limites, se oferecendo como meio para descarregar a agressividade (inclusive de forma violenta) sem danificar ninguém. A violência é, e deveria ser, somente um elemento de jogo, irreal, ilusório. Infelizmente os interesses comerciais fizeram da violência um produto de mercado, de consumo. Estes, aliados às tecnologias, vêm criando uma grande confusão entre o real e o virtual, o experiencial e o ilusório, o desejo e sua satisfação. O mercado do desejo coloca na nossa frente a possibilidade de superar todas as nossas frustrações e complexos. Com um pouco de prática podemos ser chefes de uma facção mafiosa, heróis num conflito armado internacional, libertadores de uma nação ou, para quem não tem espírito altruísta, assassinos em série ou em massa, segundo o gosto do massacrador.

Neste mercado do desejo nada nos deixa satisfeitos, temos que inventar a cada dia uma nova “experiência extrema” que nos faça experimentar o risco, a emoção, a adrenalina saindo pelos poros da pele, para sentir que estamos vivos. A violência tem essa capacidade, nos colocando no limite da vida mesma (seja própria ou de outro ser), podendo “brincar” de sermos deuses, donos do último alento de vida de um ser. Ter na mão a capacidade e a possibilidade de decidir sobre algo realmente fascinante, tão grandioso e indefeso ao mesmo tempo, como é a vida de um ser.

Unamos agora os dados: seres frustrados e estressados, numa corrida louca por satisfazer imediatamente todos os desejos, incapazes de distinguir o real do imaginário, sem rumo nem projeto na vida fora da busca de emoções e experiências radicais que permitam estar “no limite”, dentro de um mercado global onde tudo se compra e se vende (também o outro), onde a violência é um produto a mais para consumo e onde com um simples clique posso virar deus... Pensando bem, é para sair correndo!

Ao contraio, é para assumir com mais força e responsabilidade nosso compromisso com a educação, desde um modelo de pessoa, de sociedade e de felicidade diferente. Acreditamos que a pessoa é muito mais que o que pode comprar, adquirir ou possuir. Acreditamos que a felicidade não se encontra no nível de consumo, mas na qualidade humana. Acreditamos que ser humano é ser irmão, não concorrente. Acreditamos que a vida vale a pena quando temos um horizonte e um sentido: o horizonte nos orienta e o sentido nos alenta. Acreditamos que pensar primeiro no outro nos faz perceber com uma ótica nova os problemas e necessidades próprias, sendo mais fácil relativizá-los e enfrentá-los. Acreditamos que a vida a serviço de um mundo melhor é mais interessante, emocionante e “extrema” que viver afogado pelos desejos e necessidades narcisistas. Queremos aproveitar este mundo global para educar uma “consciência global”, reconhecendo em cada ser humano meu irmão e minha irmã. Queremos fazer uso das tecnologias para nos aproximarmos mais do mundo, de suas maravilhas e de seus sofrimentos, não para fugir dele ou para criar nosso “mundo virtual” egocêntrico e narcisista. Queremos educar para a resolução pacífica dos conflitos, não para evitá-los, como meio que são para aprender a dialogar, a reconhecer a verdade que está no outro e a respeitar a dignidade de todo ser humano. Queremos mandar a violência de volta ao mundo irreal do jogo e da brincadeira, onde as armas depois viram o que de fato são: ferramentas de trabalho e estudo; e ninguém fica machucado pelas balas de ar e as bombas que só fazem barulho. Queremos educar na paz que nasce da não-violência ativa, da vivência de atitudes pacíficas e do compromisso com a causa da justiça.

Queremos fazer do Colégio São Miguel Arcanjo um lugar de convivência e diálogo, de solidariedade, de compromisso pela paz e a justiça, de inclusão e de fraternidade. Estamos sonhando? Pode ser... Alguns sonham que chegarão a serem ricos, famosos e poderosos (e acabam vivendo a mesma vida frustrada de todos); outros que poderão comprar todas as coisas que a publicidade lhes oferece (e acabam hipotecando a saúde física, mental e até a própria família) pensando que assim serão felizes; outros sonham ainda ser o centro do mundo, como se este existisse só para e por eles (e acabam se tornando escravos de sua própria ilusão). Já que todos sonhamos, sonhemos pelo menos alguma coisa diferente e interessante, um sonho que possa oferecer uma alternativa para não continuar repetindo erros, um sonho que ajude a mudar um pouquinho a realidade, um sonho que se transforme em horizonte e em sentido.

Jesus de Nazaré sonhou e sacrificou a vida por fazer o sonho acontecer. São José de Calasanz sonhou com o direito à educação para todas as crianças, independente do estrato social e econômico, hoje é uma conquista quase universal. O Colégio São Miguel bebe na/da herança de Jesus, de São Jose de Calasanz e de tantas pessoas que se entregaram por educar libertando para melhorar este mundo. Hoje essa responsabilidade está em nossas mãos. Que Deus nos ajude!!!

Outra educação é possível.

A nossa razão de ser é educar pessoas livres, integralmente formadas para serem responsáveis, competentes e felizes em todas as dimensões de sua realidade pessoal e de sua vida, com um projeto de vida inspirado nos valores de Jesus de Nazaré (justiça, paz, fraternidade), sujeitos de uma sociedade mais justa e solidária ...

"No mundo dos deuses primeiros, os que formaram o mundo, tudo é sonho. E a terra em que vivemos e morremos é um grande espelho do sonho no qual vivem os deuses. Vivem todos juntos os grandes deuses. Bem juntinhos estão. Não há uns acima e outros abaixo. É a injustiça, quando vira governo, a que desarticula o mundo, colocando uns poucos acima e uns muitos abaixo. Não assim no mundo verdadeiro, o grande espelho do sonho dos deuses primeiros, quem formaram um mundo grande onde todos entram juntos e iguais. Não é como o mundo de agora, feito cada vez mais pequenininho para que uns poucos fiquem acima e muitos fiquem embaixo. O mundo de agora não é um bom espelho, não reflete o mundo de sonhos onde moram os deuses primeiros.
Os deuses deram como presente aos homens um espelho chamado ‘dignidade’. Nele os homens se percebem iguais, tornando-se rebeldes quando deixam de sê-lo. Foi assim que começou a rebeldia dos nossos primeiros avôs, os que hoje morrem em nós para que vivamos.
O espelho da dignidade serve para derrotar os demônios que espalham a escuridão. Se olhado no espelho, o senhor da escuridão aparece refletido como a nada que a forma. Como se fosse nada, o ‘desigualador’ do mundo torna-se nada diante do espelho da dignidade o senhor da escuridão.
Quatro pontos colocaram os deuses para o mundo permanecer deitado. Não porque estivesse cansado, senão para que iguais caminhassem sempre homens e mulheres, para todos terem lugar, para ninguém passar por cima do outro. Dos pontos colocaram os deuses para poder voar ou para ficar na terra. Outro ponto colocaram os deuses para os homens e mulheres verdadeiros puder caminhar. Sete são os pontos que dão sentido ao mundo e trabalho aos homens e mulheres verdadeiros: na frente e atrás, de um e do outro lado, acima e embaixo, e o sétimo, é o caminho que sonhamos, o destino dos homens e mulheres verdadeiros.
Uma lua em cada seio ofereceram os deuses às mulheres mães, para alimentarem com sonhos os homens e mulheres novos. Com eles se conserva viva a história e a memória, sem eles nos devoram a morte e o esquecimento. Há na terra, nossa grande mãe, dois seios para que os homens e mulheres apreendam a sonhar. Aprendendo a sonhar apreendem a ser grandes, a ser dignos, a lutar. Por isso, quando os homens e mulheres verdadeiros querem dizer ‘vamos sonhar’, falam: ‘vamos lutar’"
(Subc. Marcos - Chiapas, México).

A globalização oficial (e comercial) nos oferece continuamente um único modelo de pessoa, de sociedade, de cultura, de mercado, de pensamento, de felicidade... E nós, ávidos consumidores de novidades, compramos pensando ser o primeiro, o original e único, e realmente é um modelo único, não por sua exclusividade, mas por ser o mesmo para todos os homens e mulheres deste mundo, pelo menos para todos aqueles com capacidade e vontade para comprar.

No meio dessa globalização do ‘modelo único’ é agradável escutar vozes dissonantes, nos convidando a refletir, nos questionando nos nossos fundamentos existenciais, nos oferecendo a possibilidade de enxergar e interpretar o mundo desde um ponto de vista diferente do oficial. E talvez nos perguntemos: o que tudo isto tem a ver com a gente? Resposta telegráfica desde as chaves da nossa identidade: Colégio São Miguel Arcanjo (“Educar é libertar”) dos Padres Escolápios (“Educar evangelizando para transformar a sociedade”).

A nossa razão de ser é educar pessoas livres, integralmente formadas para serem responsáveis, competentes e felizes em todas as dimensões de sua realidade pessoal e de sua vida, com um projeto de vida inspirado nos valores de Jesus de Nazaré (justiça, paz, fraternidade), sujeitos de uma sociedade mais justa e solidária.

E daí nasce o questionamento: será que estamos educando na esperança e com a convicção de que um mundo melhor é possível, que uma pessoa mais livre e feliz é possível? Será que queremos alimentar com sonhos o coração das crianças e jovens, ou estamos, talvez sem sermos conscientes, tão empanturrados do modelo único que já não sabemos nem podemos enxergar a realidade com outros olhos? Realmente nos interessa que este mundo mude ou é melhor deixar ele assim como está?

O modelo único (de pessoa, sociedade, mundo, política, economia, pensamento, felicidade, diversão, escola...) vai se impondo também no mundo educativo (sempre disfarçado, com diferentes aparências e nomes), nos colocando, sem percebermos, no caminho único da concorrência empresarial, da excelência mercantilista, da mediocridade existencial.

Os que sonhamos, acreditamos e trabalhamos por uma pessoa e um mundo melhor para todos os homens e mulheres devemos estar de olho, porque até a educação (“melhor forma de servir a Deus, fazendo o bem às crianças mais pobres”, em palavras de São José de Calasanz), semente de um futuro melhor, pode se transformar facilmente numa fábrica de clones, reproduzindo a mesma realidade que questionamos.

Que São José de Calasanz (pedagogo e evangelizador incansável, inovador, criativo e sempre insatisfeito reformador) nos conserve a fé e o esforço por fazer acontecer o Reino de Deus através da educação.