15 de dezembro de 2010

Quem sonha depois dos 60 anos?

Não é muito habitual encontrar pessoas com mais de 60 anos que ainda sonhem com a vida, o mundo, a história, o trabalho... Sonhar parece ser um costume (alguns falariam em doença ou, no melhor dos casos, defeito) da juventude. No entanto, sonhar é uma capacidade única do ser humano à qual não podemos nem devemos renunciar. (Continua)

Podemos sonhar para evadir o presente complicado e hostil, para fugir da realidade se refugiando num mundo bonitinho criado à medida dos meus desejos e ilusões, das minhas necessidades e das minhas frustrações.
Podemos sonhar também para construir uma imagem perfeita de mim mesmo, para criar a ilusão de que sou quem sempre quis ser, para disfarçar minha realidade tão pobre e imperfeita, para me convencer de que sou o que imagino ser.
Na pior das hipóteses, podemos sonhar com alucinógenos ideológicos ou religiosos, criando uma outra “irrealidade”, na qual encontramos consolo, justificação, força moral para continuar convencidos de que estamos no caminho certo e, por isso, somos melhores que os outros e, antes ou depois, a vida, ou a história, ou Deus nos recompensarão por isso.
Finalmente, podemos sonhar para idealizar, mental e afetivamente, o que o presente deveria ser, visualizando um novo horizonte de sentido que se transforme em referência e bússola para a realidade atual. Sonhar para exprimir até o limite as possibilidades do presente, projetando-as no futuro desejado, descobrindo ao mesmo tempo os passos a dar e os esforços a realizar. Sonhar para que o presente não nos afogue, apagando nossos fogos de juventude e nossos melhores sentimentos. Sonhar para não se conformar com o que as circunstâncias exigem de nós, para poder, se necessário, transformar as circunstâncias antes que elas nos deformem. Sonhar para que cada pequena ação, cada passo, palavra e gesto tenham uma mesma origem e um único fim. Sonhar para que os instintos mais animais não nos dominem e desumanizem. Sonhar para viver a vida, evitando que a realidade imposta e a opinião geral acabem vivendo nossa vida.
As instituições não são como as pessoas e, por estarem formadas por elas, deveriam ser suporte, refúgio e lançadeira para os sonhos, projetos e esforços dessas pessoas. As instituições não deveriam envelhecer, cansar ou renunciar aos seus sonhos fundacionais. Em cada etapa da história de uma instituição, as pessoas que lhe dão vida, atualizando sua missão, conservando seus valores e conquistando sua visão, são novas e, portanto, cheias de sonhos, vontade, energia e força. As instituições não são a soma das individualidades que fazem parte dela, mas um ser vivo que nasce e renasce, em cada momento histórico, a partir do que as pessoas oferecem, amam, sonham e entregam.
Infelizmente às vezes nos deparemos com instituições que enclaustram, abafam, aprisionam e mutilam as pessoas que as formam. Instituições que agem como se tivessem vida própria, engolindo energias e propostas, pessoas e idéias, projetos e sonhos. Instituições que parecem envelhecer se tornando fosseis ou múmias, ancoradas numa época que já não existe, olhando passar a história e julgando uma realidade que desconhecem e não amam. Conhecemos pessoas que são dessa forma, mas é triste quando as instituições acabam assim, porque acabam arrastando as pessoas que vivem e trabalham nela, e junto com as pessoas, afundam sonhos e bons projetos.
No 2011, o Colégio São Miguel Arcanjo celebrará 60 anos de existência. Seria, talvez, o momento de procurar a tranquilidade da terceira-idade, saboreando os frutos recolhidos, aproveitando a sabedoria adquirida e se acomodando no espaço conquistado. Mas não é assim que queremos comemorar esta data tão significativa. Quem hoje dá vida à missão escolápia no Colégio São Miguel não somos aqueles que o fundaram, várias gerações passaram já por este chão, deixando a marca de suas façanhas, seus êxitos e fracassos, levando com elas um pedacinho do coração deste colégio. Hoje o São Miguel existe pelos que aqui estamos, mas principalmente, pelos que continuamos sonhando que educar para libertar e transformar a vida de pessoas e da sociedade toda vale a pena, e por isso acordamos bem cedinho para empurrar o sol e fazer que chegue o dia esperado, o dia da nossa missão, o dia de dar vida (corpo, sangue, afeto e espírito) àquela brilhante intuição de Calasanz: se desde a mais terna infância, as crianças forem educadas na piedade e nas letras, poderemos esperar um futuro feliz para suas vidas e para a vida da sociedade que elas construirão.
Depois de 60 anos continuamos sonhando com um mundo melhor, mais humano e digno para toda a família humana, com uma sociedade mais justa e em paz, com umas famílias focadas no amor e na educação dos filhos. Sonhamos com uma escola nova, fazendo parte desta história, mas com uma atitude crítica e transformadora, uma escola laboratório de humanidade, de alteridade, de solidariedade. Sonhamos com uma educação que faça crescer as capacidades próprias de cada criança, em vez de uniformizá-las na mediocridade e na repetição de padrões fracassados. Sonhamos com um São Miguel que oferece o que nenhum outro colégio oferece, não por orgulho ou presunção de sermos o primeiro, mas porque amamos o que somos e o que deveríamos ser, o mais autêntico de nós, o que nos faz ser únicos e diferentes: o carisma herdado de Calasanz e atualizado com a vida dos que nos precederam. Sonhamos com um São Miguel que articule de forma efetiva e prática as três dimensões da nossa missão: evangelizar, educar e transformar. Sonhamos com a Família São Miguel, uma família de famílias, onde todos/as possam encontrar um lugar para crescer pessoalmente, para se comprometer com um mundo melhor, para viver e alimentar sua fé, para experimentar uma vida plena.
E sonhamos também, bom, na verdade já deixou de ser um sonho e, daqui a pouco, será uma realidade, com a Fraternidade Escolápia do Brasil. Pequenas comunidades cristãs enriquecidas com o carisma escolápio, partilhando a missão, espiritualidade e vida comunitária, desde todas as vocações e opções de vida. Uma experiência de vida cristã comunitária, adulta, profunda, significativa, integral para quem quiser aprofundar na sua vocação e vivência cristã, com o carisma escolápio como fio comum que costurará uma bonita colcha de retalhos, respeitando e aproveitando as diferenças e peculiaridades de cada pessoa.
Neste ano que comemoramos 60 anos nos sentimos mais jovens que nunca, cheios de energia, ideias, sonhos e projetos. E queremos que esta força que sentimos se contagie por todas as pessoas que fazem parte desta família. Somos e queremos ser muito mais que um colégio, queremos ser um espaço físico e humano seguro e alternativo, o laboratório de uma sociedade melhor, uma grande família de famílias, uma verdadeira comunidade eclesial onde experimentar a presença de Jesus Cristo, o amor fraterno que nos convoca e o Reino de paz e justiça que nos provoca.
Estão todos/as convidados/as para a nossa festa de aniversário.

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