31 de dezembro de 2009

Uma paradinha

No Brasil começamos o ano... de férias! As minhas serão um tanto movimentadas, participando pelo terceiro ano consecutivo, e último, do curso de teologia que o Projeto Teologia Viva realiza em Tabatinga, na Diocese de Alto Solimões. Isso significa que daremos uma paradinha no blog...
Em três meses de vida, mais de 1000 pessoas passaram por aqui. Muito obrigado, espero ter sabido transmitir alguma mensagem interessante. Caso contrário, podem deixar seus comentários no blog.
Os textos, as reflexões, a poesia para, por enquanto, mas não o trabalho e a caminhada de cada dia, e muito menos ainda, a construção da Utopia... esta não para nunca.
Façamos o ano novo realmente feliz para todos/as.

30 de dezembro de 2009

Releitura Natalina do Gênesis.

Há milhões de anos apareceu na terra a primeira célula viva, capaz de existir por si mesma. Não era mais do que um ser microscópico, diminuto, quase invisível, mas suficiente para começar a sonhar com ele. E é que não consigo evitar sonhar cada vez que percebo um alento de vida ...

Este primeiro broto de vida foi-se desenvolvendo, evoluindo, se transformando. Assim foram surgindo toda classe de animais e plantas, a natureza ia tomando forma. Durante milhões de anos eu a acompanhava, a observava e não deixava de me emocionar com suas mudanças e novidades. Não obstante, a natureza, tinha algo que eu não acabava de aceitar.
Sempre sobrevivia o mais forte, o melhor adaptado, enquanto os fracos ficavam no caminho da evolução e desapareciam. Mas, se eles eram os que de mais cuidados e ternura precisavam! Porque a própria natureza os abandonava quando mais desprotegidos estavam? Os grandes engoliam os pequenos, os fortes se esqueciam dos fracos, cada qual preocupado somente de si mesmo.
Alguma coisa não estava bem feita ou, falando melhor, faltava algo… até que apareceu o ser humano.
Com a sua chegada acabei de me encher de felicidade e esperança. Um ser capaz de pensar, de inventar, de transformar o que tinha ao seu redor. Um ser livre, capaz de tomar decisões além das leis da natureza. Um ser capaz de amar. Um ser que podia sentir além do que olhava e tocava, que podia me procurar chamando-me por meu nome. Por fim alguém com quem compartilhar minha vida, a quem me dar a conhecer, a quem amar! O homem e a mulher eram o mais perfeito, mesmo com as suas fraquezas e limitações, que a natureza tinha formado e eu aproveitei a ocasião para colocar nele todo meu amor.
Há muitos milhares de anos que, junto ao homem e à mulher, começamos a fazer historia. Eu tentava que suas decisões foram as mais acertadas, pensando somente na sua felicidade, porque nela estava também a própria felicidade.
Não obstante, o ser humano é duro de entendimento e nem sempre aproveitava todo o amor que eu lhe entregava. Por sua obstinação empenhou-se em fazer as coisas sem me levar em conta e, esquecendo seu Pai, acabavam também esquecendo que eram irmãos.
Por isso, eu não deixava de enviar para eles profetas, que lembravam sempre que o caminho da felicidade não era ser como animais, mas ser plenamente humanos, o que é igual a ser irmãos. Os profetas lhes falavam de justiça, paz, perdão, conversão… mas eles não escutavam… e assim andavam…
Finalmente não tive outra solução que me fazer um deles. Escolhi um casal jovem, simples, bom, como as pessoas das que eu gosto, e por meio deles realizei o que nem eu mesmo pensava que podia se fazer. Meu amor, minha ternura, toda a misericórdia de que sou capaz se fizeram homem numa criança, em Jesus de Nazaré. Há mais de dos mil anos disso, mais eu lembro como si fosse hoje. José e Maria andavam viajando quando chegou o tempo de dar à luz. Bateram muitas portas, mas nenhuma lhes foi aberta. Finalmente procuraram um cantinho escuro, um estábulo, quente pelos animais que havia, aconchegante pelo humilde. Era um lugar tranqüilo, afastado da cidade, no meio da natureza que um dia viu nascer os primeiros homens e mulheres.
Esta vez não era mais um menino que nascia. Esse dia eu me fiz homem, era Deus quem nascia. No começo tive medo. Ser uma criancinha, fraca, necessitada, tão vulnerável e frágil. Mas, se não me mostrava assim, como faria para que até a última e mais pobre das pessoas deparasse em mim e sentisse um pouco de ternura e compaixão, isso que a sociedade fala que não presta porque não produz lucro? No entanto, alguns sim que descobriram que esse menino era especial; na sua pobreza, na sua fraqueza, na sua fragilidade, acharam-me, o Deus que tanto procuravam e de quem o esperavam tudo. Eram os mais pobres, os pastores. Quando chegaram até a gruta onde eu estava, com meu pai José e com minha mãe Maria, tudo encheu-se de alegria. Chegavam cantando, trazendo presentes muito humildes, mas nascidos do mais profundo dos seus corações. E por onde passavam gritavam: “Deus está conosco, nasceu nosso Salvador”.
Quem podia pensar nisso! Foram os marginalizados, os mais pobres, os únicos que souberam me descobrir nesse menino deitado na manjedoura. Como hoje continua acontecendo, os únicos que sabem apreciar de verdade meu nascimento são os pobres e excluídos. Deve ser que a pobreza faz com que tenhamos um coração mais livre para amar, e só quem ama pode me conhecer.
Mas, o verdadeiramente importante, não é que um dia me fiz menino, senão que, desde então, eu continuo a fazê-lo. Meu Filho Jesus, continua nascendo para mostrar o grande amor que lhes tenho, para que conheçam a Salvação que desejo para todos, para que acolhendo Jesus, presente em cada homem e mulher necessitado, conheçam a verdadeira felicidade, a que vem do amor.
Hoje volto a nascer, em cada menino que vem à vida com um futuro incerto, em cada rejeitado por tanta pousada cheia, em cada necessitado de vida. Somente vocês podem me ajudar a nascer! Anunciem com suas vidas e com suas obras que Deus quer nascer e preparem um leito quente nos seus corações! Vão às ruas, porque hoje, estou nascendo em muitos barracos, nalgum beco escuro! Procurem-me e me ajudem a viver! Pode ser que esta seja a sua última chance, a última oportunidade para amar, a última ocasião para me conhecer, a última possibilidade para serem felizes.

16 de dezembro de 2009

Quando chegará o dia?

Mais uma poesia antiga resgatada do meu baú afetivo; mais um canto de esperança e revolta para entoar com o coração e construir com as mãos ...

Quando chegará o dia em que não existam mais carrascos, em que possamos olhar-nos todos sem rancor nos olhos, em que não haja ninguém por sobre outro, em que as únicas lágrimas derramadas sejam pelas dores de parto?

Quando chegará o dia em que os últimos sejamos todos, porque se acabaram para sempre os lugares dianteiros, em que todos corramos ajudando-nos, em que vença quem mais ama, em que o suor seja partilhado, em que na festa entremos todos?

Quando chegará o dia em que o pranto seja estranho, em que a dor seja força e a esperança convicção, em que todos sejamos guias, em que os fortes se sintam fracos e se deixem ajudar sem receio?

Quando chegará o dia em que a fala seja diálogo e discutamos cantando, em que todos conheçamos a melodia e desafinar nos cause riso, em que sonhar seja de graça e viver seja uma aventura?

Quando chegará o dia em que amemos sem ciúmes, em que nos demos sem troca, em que entreguemos o melhor e não o que nos sobra, em que riamos com todos sem nos importar com o barulho, em que aprendamos do outro só com a sua presença?

Quando chegará o dia em que a morte seja só um até logo e as despedidas sejam sempre agradecidas, em que o tempo não nos controle e os relógios sejam animais de estimação, em que Deus nos visite e no amor nos façamos um?

13-10-97

13 de dezembro de 2009

Perguntas à Vida

Neste tempo de advento, de esperança ativa e transformadora, a realidade injusta e violenta tenta impor-se, mas a vida se revolta e nós revoltamo-nos com ela. Um poema velho para problemas, infelizmente, sempre atuais ...

– Vida, o que acontece? Por que você chora?
– Choro porque estão levando meus filhos
porque só o pranto me nasce
porque ser mãe arde
e porque o pródigo não aparece.

– Vida, o que você clama? Por que grita?
– Clamo porque me pisam as veias
porque só o grito me resta
porque estão secando minha alma
e porque me sufocam com calma.

– Vida, o que você teme? Por que não se revolta?
– Temo que se achem mais fortes
que me tenham por dócil
que nos humilhem mais fácil
e que matem o mais débil.

– Vida, o que você fez? Por que a perseguem?
– Amei-os como ninguém e entreguei-lhes quanto tenho
a verdade de seu crime
a verdade de sua origem
e a verdade que não querem.

– Vida, o que você vê? Por que não abandona?
– Vejo seu coração ainda humano e espero
que dê frutos o sangue dos vencidos
que cresça minha raiva até derrotá-los
e que, finalmente juntos, nos perdoemos.


13-10-97

20 de novembro de 2009

Começamos? (nos aproximando do fim do ano letivo)

O fim deste ano letivo se aproxima (o tempo passa voando quando bem aproveitado), mas a nossa missão (evangelizar educando para transformar a sociedade e construir um mundo melhor) apenas está começando...

Educar é suscitar, descobrir e acompanhar o crescimento do melhor que cada pessoa leva dentro de si. A escola de hoje não pode renunciar ao desafio da integralidade de sua proposta educativa. Uma escola que instrua sem formar, que capacite sem ensinar a discernir, que preencha de conteúdos, esquecendo-se da pessoa toda, é uma escola destinada ao fracasso, talvez não da escola mesma, mas das pessoas que nela se formam e, principalmente, da sociedade que essas pessoas construirão.
Muito mais que uma profissão ou uma tarefa, educar é uma missão. O educador deve colocar a totalidade de seu ser (saberes, capacidades, atitudes, afetos, energias...) a serviço do seu labor. Ensinar ou, na pior das situações, instruir, é mais fácil e não exige tanto assim, mas ensinar é só uma pequenininha parte da ação educativa, que mais que ação é relação. Na educação, educador (seja professor, pai ou mãe) e educando se abrem a um relacionamento de aprendizagem mútuo, descobrindo novos desafios, procurando recursos adquiridos para enfrentá-los e desenvolvendo destrezas novas para superá-los. A relação educativa exige do educador uma disponibilidade que vai além do horário, do conteúdo, da estrutura física e do rol. Também do educando exige-se essa mesma disponibilidade para que possa embarcar com entusiasmo na aventura da vida. 
Educar tem muito a ver com o trabalho constante, despercebido e generoso do camponês. Com esforçado e paciente esmero, se colocam hoje as sementes que, se tudo der certo, algum dia germinarão e, quem sabe, até cheguem a dar fruto. Sem o sacrifício de hoje, às vezes cansativo e pouco valorizado, será impossível curtir amanhã as flores e frutos que, de tão belos, nos farão esquecer o esforço realizado. O educador sabe qual é a sua parte, que não é pequena nem insignificante, bem pelo contrário, mas também sabe e aceita que muitas coisas não dependem dele. Quem se entregou em cada pequena ação, cada pequeno gesto, cada pequena rotina, pode dormir tranquilo e com a consciência em paz... Mas quem pode afirmar que realmente entregou o melhor de si em cada pequena coisa que fez?
A relação educativa nos coloca a todos, educadores e educandos, diante de um grande desafio: transcender o momento presente (pessoal e social) para intuir um futuro melhor (seja próximo ou distante), aceitando o processo necessário para transformar a intuição em realidade ou, colocando as palavras em outra ordem, para deixar que a intuição transforme a realidade. Pode parecer complexo, mas, aprender não é isso mesmo? A aprendizagem começa por desejar uma experiência (seja um conceito, capacidade, destreza, atitude, logro...), inalcançável com os recursos pessoais que neste momento possuo, aceitando que tenho de realizar um esforço para desenvolver ou aumentar esses recursos (com novos conceitos, capacidades, destrezas, atitudes e logros) a fim de atingir o objetivo procurado, e realizando esse mesmo esforço. Podemos aplicar esta definição a uma operação matemática, à resolução de um problema ético ou à construção de um projeto de vida.
Tanto quem educa como quem é educado se coloca diante do dilema: ficar como está ou iniciar o processo de transformação para chegar a um futuro melhor, mais completo e feliz. Nossa verdadeira felicidade encontra-se no amanhã sonhado e desejado, e no processo de construção desse amanhã, nunca no presente limitado, imperfeito e fungível. A pessoa é um ser projetado (Heidegger), que encontra o sentido de sua vida no que está por descobrir e construir. Viver sem projetar a própria vida, conformando-se com o presente imediato, significa renunciar ao melhor de si mesmo, abdicar da própria humanização. Humanizamo-nos (tornamo-nos mais humanos) quando, olhando além da realidade imediata, descobrimos o que podemos chegar a ser e começamos a caminhar.
Retomando as ideias até agora expostas, nos atrevemos a afirmar: educa quem acredita que podemos ser muito melhores e mais felizes do que agora somos e, por isso, coloca toda sua vida a serviço daqueles que apenas estão começando a construir seu futuro, para, juntos, descobrir e desfrutar da felicidade que se encontra na autossuperação, no esforço por ser cada dia mais e melhor, na aventura de viver construindo o amanhã.
Acaba sim o ano letivo, o tempo do trabalho específico e intensivo, mas é agora que começa a aventura e o desafio da verdadeira educação: saberemos todos nós, educadores e educandos, aproveitar este ano que está acabando (com todos os esforços realizados, todas as propostas oferecidas e todos os problemas superados) para sermos pessoas mais plenas e humanas, para projetarmos num amanhã mais feliz e para começar a caminhar rumo a esse futuro melhor para todos? Saberemos viver nossa vida toda desde a missão que abraçamos, nos aventurando no mundo da transformação constante (minha, dos outros, da sociedade, do mundo...), da auto-superação, do inconformismo, da crítica construtiva e empática, da fraternidade solidária? 
Acabamos um ano letivo, mas a vida letiva continua e, para muitos (crianças, pré-adolescentes e adolescentes) apenas começa... Estamos dispostos a viver sempre começando com eles? 

6 de novembro de 2009

A escola de hoje e a necessidade da educação para a paz

Nos tempos atuais é normal ficar tristemente surpreso e revoltado pelos acontecimentos de violência que, cada vez mais frequentemente, acontecem na sociedade e, também, no âmbito escolar. Infelizmente, a violência faz parte da vida da gente. Será possível educar para a paz nesta sociedade violenta? Acreditamos que sim, mais não resolvendo problemas de violência, não com paliativos pedagógicos, mas oferecendo e operando desde a educação uma verdadeira transformação da pessoa e da sociedade que temos. Porque a violência que vivemos hoje é uma das mais dramáticas consequências do modelo de pessoa que a sociedade do bem-estar nos oferece. Uma sociedade construída sobre a base do egocentrismo insolidário e do consumismo compulsivo, geradores de exclusão e injustiça, não pode esperar outra coisa que não seja a violência como recurso, meio ou fim ...

Palestra oferecida em diversos congressos pedagógicos organizados pela empresa Conexa Eventos de Belo Horizonte.

28 de outubro de 2009

Limites no contexto familiar

Cada vez mais descobrimos a necessidade e urgência de estabelecer limites na educação das crianças. Mas qual é o verdadeiro problema da falta de limites de crianças, adolescentes e jovens. É um problema somente das novas gerações ou da nossa cultura atual? ...



PDF com a palestra ministrada no Colégio Ibituruna de Gov. Valadares no dia 27 de outubro de 2009.

5 de outubro de 2009

Espírito Olímpico

É de todos conhecido o ditado olímpico, não sei se oficial ou popular, que reza: "o importante é participar". Por este caminho quero conduzir minha reflexão de hoje. O importante é participar quando garantida a igualdade de condições de todos os competidores. Mas quando as condições não são as mesmas, o que é realmente o importante? ...

Tenho a sorte de viver estes dias de "decisão olímpica" na Espanha, último e definitivo concorrente superado pelo Brasil. Estão sendo dias de contrastados sentimentos: alegria ou tristeza, entusiasmo ou decepção, comemoração ou frustração, dependendo da perspectiva adotada: espanhola ou brasileira. As olimpíadas se realizam numa cidade, por isso os projetos apresentados não são nacionais, no entanto cada cidade candidata representa o país todo, é por isso que não falo de Rio ou Madri, mas de Brasil e Espanha.

Na decisão final, o Comitê Olímpico Internacional teve de escolher entre dois países bem diferentes: Brasil e Espanha. As duas candidaturas se apresentavam como apostas diferentes, Madri como aposta pelo presente e Rio pelo futuro. Espanha se apresenta pelo que foi e pelo que é: uma história e cultura milenares, tradições, instituições e infra-estruturas que garantem segurança, diversão, hospitalidade... Brasil, ao contrário, apresenta um futuro que está nascendo no meio de uma realidade difícil: representando aos países empobrecidos (mais do que "países em desenvolvimento") reclama sua vez no mundo (não só no olímpico, mas no mundo todo), porque a pobreza, a violência, a injustiça não fazem parte do projeto de país que o Brasil (e tantos outros países do Sul) estão desenvolvendo, fazem parte de uma história e de um modelo sócio-econômico e político imposto por muitos séculos e que agora carregamos com todas suas consequências.

No momento histórico que estamos vivendo, contexto mundial de crise econômica (e crise do modelo neoliberal, embora quase ninguém relacione a crise com o modelo que a causou), a candidatura brasileira se apresenta como alternativa aos mitos do modelo global atual: alternativa ao mito de que somente desde o modelo do primeiro mundo se pode ter voz nesta história; alternativa ao mito de que a riqueza exagerada de uns poucos arrastará todos a um crescente bem-estar (Brasil conhece muito bem as consequências disso); alternativa ao mito sobre as verdadeiras necessidades da pessoa e da sociedade (para sermos felizes precisamos de liquidez econômica para manter um alto nível de consumo, segurança pública para que ninguém se aproveite de nossas conquistas individuais, e de um governo fraco no momento de pedir impostos e forte para nos atender eficientemente com todos os serviços públicos possíveis).

E por que falo de alternativa? Brasil hoje se apresenta como uma potência mundial (emergente a chamam os ricos), mas o que tem de diferente esta potência?

No início da crise mundial os setores econômicos brasileiros, que sempre estiveram ligados ao poder, criticavam o governo por "ignorar" a mesma, por não se preparar para enfrentá-la, por pensar que "sabia mais" ou que era melhor que os outros países mais ricos e poderosos arrastados já pelas correntezas da crise. A resposta sempre foi a mesma: a crise não nos afetará da mesma forma, porque neste momento nossa economia não é como a dos países ricos, por isso responderemos dando continuidade à política econômica que já estamos implementando. Mas a verdadeira diferença não se encontra só na política (que é consequência e não causa), senão no modelo de sociedade que se tem. Quem vive num país cheio de tantas possibilidades como escandalosas desigualdades, de experiências antigas e atuais de exploração, sempre acostumado a engordar o "gado" próprio ou alheio com a fome do povo, e se posiciona nessa realidade com atitude comprometida, não pode senão afirmar que o único futuro possível para uma humanidade em condições tão desiguais, é se igualar por abaixo, nos mínimos fundamentais para garantir uma vida digna (que não fácil nem cômoda, porque a vida do ser humano é qualquer coisa menos isso), realmente humana e para todos os seres humanos de hoje e do futuro. A economia resultante dessa opção visa democratizar uma renda mínima digna, aumentando a produção e consumo dos bens básicos (mesmo seja diminuindo a produção e consumo de bens desnecessários e de luxo). A consequência imediata é uma parada brusca nos índices macroeconômicos do país, o que indica menos lucro para os grandes grupos econômicos nacionais e internacionais (e por isso este modelo econômico é perseguido por eles e pelas instituições internacionais que garantem seus privilégios).

A olimpíada brasileira pode ser o momento de mostrar ao mundo que a solução da crise e de todas as crises (aquelas que continuam matando milhões de pessoas inocentes, sem contas nos bancos, nem créditos, nem ações na bolsa) não se encontra na concorrência para se apropriar da riqueza, mas na construção solidária de um verdadeiro e básico bem-estar para a humanidade toda.

No extremo oposto encontramos a situação da Espanha, país que exemplifica o boom do novo modelo. Com uma economia focada na produção rápida de "riqueza virtual": sustentada na geração ilimitada de necessidades, condição básica para poder comercializar uma exagerada produção de bens desnecessários (já que a tecnologia se aplica somente na produção de bens supérfluos para facilitar a vida de alguns humanos, não na sustentabilidade da vida humana mesma), riqueza que se movimenta no mercado irreal da especulação e na produção ilimitada de lucro não investido, mas negociado. Espanha substituiu uma economia produtiva por outra comercial e de serviços, transformou a maior parte da população em classe-média, consumidora insaciável, centrada no seu próprio bem-estar sem se importar pelo preço do mesmo (que outros pagam, claro). Quando a crise mundial chegou, Espanha afundou no mar das falências, do fechamento de pequenas empresas e negócios, do desemprego, da inadimplência, da diminuição do consumo. As soluções até agora oferecidas visam manter o mito da classe-média, e o modelo da sociedade de consumo e do mercado virtual global. Ainda mergulhando nas dolorosas consequências da crise, Espanha apresenta hoje a ilusão do modelo que perseguiu e que nunca chegou a construir: uma sociedade acolhedora (não se fala dos problemas raciais e culturais que hoje existem), segura (se omite a violência inter-racial, da delinquência ou por diversão que hoje acampa na sociedade espanhola), culta (é só estudar as pesquisas e os índices de qualidade do ensino no país, ou o estilo de vida de adolescentes e jovens espanhóis, para se perguntar o que significa "ter cultura"). Espanha se apresenta como um mundo feliz, enquanto seu modelo de prosperidade e bem-estar se desmorona, sendo os mais prejudicados aqueles que, antes nos seus países e agora aqui, pagam com a miséria (ou com empregos sem condições dignas e mal remunerados) o preço do progresso dos desenvolvidos, "o norte" (mundial e de cada país).

Nos jogos olímpicos o importante é participar e que vença o melhor, mas nas olimpíadas da vida o primeiro e urgente é igualar as condições de todos os competidores, para que vençamos todos. Esse é o verdadeiro espírito olímpico que devemos criar, nos jogos, na política, na economia... 2016 é uma boa oportunidade para que o Brasil, país que está tentando criar um modelo diferente e verdadeiramente democrático (de todos e para todos), mostre ao mundo o que significa o espírito olímpico na vida das pessoas, das sociedades e do mundo.

3 de outubro de 2009

Família classe média... qualquer coisa menos uma família.

Demos uma olhada rápida, crítica e irônica sobre o modelo de família que a sociedade do bem-estar nos propõe, a família "classe média" ...

Casal “eternamente jovem”, com um ou dois filhos, trabalhando a todo vapor a fim de obter os recursos necessários para manter um nível alto de consumo e conforto;
Sem tempo para si mesmos (por isso têm que procurar momentos “sem filhos”) e muito menos para os outros;
Que gasta quanto tem e por isso está sempre apertado financeiramente;
Que valoriza mais a imagem pública de família que a verdadeira realidade familiar;
Que cuida mais do carro (ou do notebook, ou do cachorro) que do filho;
Que chega em casa pela noite morto (depois de sacrificar a vida para que os filhos, e eles, possam ter o que têm);
Que aluga os filhos à escola para que se ocupe deles (e não só de sua educação, mas deles fisicamente).
Uma família cujo mundo começa e termina na porta da casa, do carro, do clube ou do sítio.
Uma família cujo “universo” se encontra representado no shopping: enorme vitrine que oferece um mundo bonitinho, prazeroso, gostoso e cheiroso, todo um paraíso de desejos e vontades, onde você é o que aparenta e consome.
Os filhos destas famílias encontram no mundo virtual seu verdadeiro mundo: relacionamentos impessoais controlados pela própria vontade (basta um clique no mouse), janelas que nos abrem a experiências intensas e emocionantes, um mundo de fantasia que pode se tornar realidade, principalmente quando a “realidade real” é tão pouco atraente.

1 de outubro de 2009

"Não acomodar com o que incomoda"

Começamos este comentário com essa frase da trupe do Teatro Mágico (banda paulista de música, teatro, circo... que recomendamos) que expressa, de forma clara e direta, o que hoje queremos propor ...

A Campanha da Fraternidade deste ano nos convida a refletir sobre a necessidade de maior segurança pública, ao tempo que nos urge atuar em defesa da paz, fomentando a justiça. Realmente são palavras profundas: justiça, paz, não-violência... Tão profundas que poderíamos pensar que pelo fato de falar sobre elas, de enfeitar paredes e cadernos, de cantá-las e gritá-las, já as estamos vivendo. E na verdade o que acontece é que nos enganamos, tranquilizamos nossa consciência e continuamos vivendo do mesmo jeito, favorecendo (por ação ou por omissão) a violência imperante nas relações sociais, a injustiça institucionalizada e a insegurança pública, que se aceitam como “situação normal”.

Pegamos carona das palavras do Teatro Mágico para convidar à reflexão crítica e construtiva: está claro que para edificar a paz devemos ser pessoas pacíficas; para criar justiça, devemos ser pessoas justas; para acabar com a violência devemos ser pessoas não-violentas e para transformar a realidade devemos nos sentir incomodados com ela. É fácil se acostumar ao prazeroso e gostoso, e poderia parecer difícil se acostumar ao que desgostamos ou desprezamos, mas infelizmente não é assim. A nossa psicologia é complicada. É fácil se acomodar com o que incomoda. É fácil renunciar a certos valores quando a vivência dos mesmos se traduz em esforço, conflito, risco, perseverança, disciplina... É fácil ceder ao desalento, ao desânimo, ao pessimismo quando não percebemos imediatamente o resultado positivo de nossas ações. É fácil aceitar hoje como normal o que ontem rejeitava, principalmente depois de perceber que para a maioria, efetivamente, é normal. É uma grande tentação deixar de ser eu mesmo para me assimilar aos demais, renunciar ao que me faz diferente e único para não chamar atenção do que é “opinião comum”.

Acomodamo-nos com o que produz revolta, enfado, enjoo, tristeza, dor, desorientação, sofrimento, morte... Acomodamo-nos com qualquer coisa quando nos preocupamos mais com a imagem que os outros fazem de mim do que com sermos fiéis aos nossos princípios e valores; quando damos preferência a lemas como “é melhor evitar conflitos” ou “esse não é assunto meu”; quando pensamos mais nos riscos que podemos correr do que naquilo que poderíamos lograr; quando o “eu” individualista e medroso impõe-se ao “nós” solidário e decidido. Acomodamo-nos até com os nossos defeitos pessoais, projetando-os nas outras pessoas, justificando-nos a cada momento, enxergando o “cisco” no olho do outro e tolerando a “trave” no próprio.

Poderíamos pensar que nas circunstâncias atuais é melhor e mais seguro se acomodar com certos incômodos para não entrar nos conflitos resultantes da crítica, da denúncia e da discordância. Poderíamos até passar do pensar ao fazer, renunciando de fato a valores importantes para não criar problemas... poderíamos? Infelizmente, já faz tempo que assim fazemos!

Almejamos, pedimos, exigimos uma sociedade em paz, sem violência, na qual se respeite a pessoa e se garanta sua dignidade (ou será sua “propriedade”), privilegiando o direito de viver seguro e tranqüilo (ou será o direito de viver “indiferente”), garantindo a sobrevivência das sãs tradições (ou será que as coisas continuem como estão), garantindo a tranquilidade da vida familiar (ou será que ninguém mexa com o nosso estilo de vida, mesmo seja causa de quase todos os problemas sociais).

Queremos uma sociedade mais justa e pacífica, mas não estamos dispostos a pagar preço algum por essas conquistas. Reivindicamos o fim da pobreza, celeiro de delinqüentes, mas todos sabemos que não acabaremos nunca com a pobreza mantendo nosso atual nível de consumo. Exigimos que as autoridades nos protejam, mas nós não nos sentimos responsáveis pela segurança dos realmente inseguros (excluídos, necessitados, indefesos). Gritamos, mas não oferecemos estilos de vida alternativos. Que sejam outros os que façam, os que transformem, os que mudem as coisas, mas sem mexer comigo nem com os meus... Assim é difícil!

Acomodamo-nos com o que incomoda porque fazemos parte dos que incomodamos, por ação ou por omissão, porque não nos colocamos no lugar dos realmente incomodados, atropelados, sacrificados.

Começávamos convidando a uma reflexão crítica e construtiva, toda crítica é sempre construtiva quando acolhida com humildade, sem prepotência e sem necessidade de se justificar. Nossa missão é educar para transformar, libertando a pessoa de seus próprios enganos, ensinando a enxergar um mundo maior, abrindo o coração à família humana. Muitas situações da sociedade e do mundo nos incomodam e podemos reagir de diferentes formas: olhar para outra parte, fazer-nos de vítimas, jogar a culpa e a responsabilidade nos outros, pedir a Deus que faça sua parte (e não é que Ele já fez sua parte? Não criou você, e eu e todos/as?), podemos nos sentir parte do problema e da solução, podemos nos comprometer com as vítimas (porque nunca a solução estará nos verdugos) e criar novos modelos de relacionamento, de estilo de vida, de custo de vida, de sentido da vida...

No Colégio São Miguel Arcanjo queremos ser fiéis à proposta de São José de Calasanz: chega de jogar a culpa dos problemas sociais nos outros, comprometamo-nos com a verdadeira transformação social educando pessoas diferentes, que não aceitem como normal o que nunca deveria acontecer; que não se excluam dos problemas, mas que ofereçam respostas eficazes; que construam vidas solidárias, para não continuar criando inúmeros mundos pequenos e egoístas; que não se acomodem com o que incomoda, em si próprias e na sociedade.

Para realizar esta ambiciosa missão precisamos dos melhores esforços de todas as pessoas envolvidas, porque na casa ou na escola, todos/as somos educadores/as, “cooperadores da verdade” em palavras de Calasanz. Que ele continue intercedendo sempre por nós.

A violência é para brincar... E só para isso.

Educar para a paz em meio a este mundo violento

Estamos assistindo, já desde algumas décadas, a um processo meteórico de aumento da violência no cotidiano da vida e das relações sociais. Hoje é normal, e infelizmente para muitos, emocionante, assistir ao vivo a dramas, tragédias, violência, morte... que acontecem em qualquer canto do mundo. As tecnologias nos aproximaram mais da realidade, possibilitando uma informação global em tempo real, mas também serviram para padronizar gostos, comportamentos e modas ...

O mundo urbano contemporâneo, com seu ritmo de vida frenético, com sua proposta de aproveitamento máximo de cada segundo para produzir materialmente e, desta forma, poder comprar depois. Este modelo de vida e de pessoa produz um altíssimo grau de frustração: todo o dia envolvidos por uma publicidade que alimenta ilimitadamente nossos desejos e a realidade que nos demonstra que não é possível ter tudo quanto se deseja. Esta frustração, somada ao estresse de quem tenta exprimir ao máximo os limites do real para satisfazer o maior número possível de desejos, acaba produzindo pessoas e sociedades à beira da paranóia. Frustração, estresse, individualismo, necessidade de satisfação imediata dos desejos, geram cotas imensas de agressividade que, quando não sabemos canalizar e transformar em impulso e força para a vida, facilmente se converte em violência (projetar em algo ou alguém a causa de minha frustração ou a solução aos meus problemas, descarregando contra ele minha agressividade).

Os comerciantes deste mundo, sempre ávidos de riqueza, descobriram que a violência atrai (seja exercida ou observada) para descarregar por meio dela a agressividade que nos asfixia e enjoa. A criança aprende a mexer com a violência por meio do jogo, da brincadeira, misturando muitas vezes o real com o imaginário. O próprio jogo vai ensinando onde estão os limites, se oferecendo como meio para descarregar a agressividade (inclusive de forma violenta) sem danificar ninguém. A violência é, e deveria ser, somente um elemento de jogo, irreal, ilusório. Infelizmente os interesses comerciais fizeram da violência um produto de mercado, de consumo. Estes, aliados às tecnologias, vêm criando uma grande confusão entre o real e o virtual, o experiencial e o ilusório, o desejo e sua satisfação. O mercado do desejo coloca na nossa frente a possibilidade de superar todas as nossas frustrações e complexos. Com um pouco de prática podemos ser chefes de uma facção mafiosa, heróis num conflito armado internacional, libertadores de uma nação ou, para quem não tem espírito altruísta, assassinos em série ou em massa, segundo o gosto do massacrador.

Neste mercado do desejo nada nos deixa satisfeitos, temos que inventar a cada dia uma nova “experiência extrema” que nos faça experimentar o risco, a emoção, a adrenalina saindo pelos poros da pele, para sentir que estamos vivos. A violência tem essa capacidade, nos colocando no limite da vida mesma (seja própria ou de outro ser), podendo “brincar” de sermos deuses, donos do último alento de vida de um ser. Ter na mão a capacidade e a possibilidade de decidir sobre algo realmente fascinante, tão grandioso e indefeso ao mesmo tempo, como é a vida de um ser.

Unamos agora os dados: seres frustrados e estressados, numa corrida louca por satisfazer imediatamente todos os desejos, incapazes de distinguir o real do imaginário, sem rumo nem projeto na vida fora da busca de emoções e experiências radicais que permitam estar “no limite”, dentro de um mercado global onde tudo se compra e se vende (também o outro), onde a violência é um produto a mais para consumo e onde com um simples clique posso virar deus... Pensando bem, é para sair correndo!

Ao contraio, é para assumir com mais força e responsabilidade nosso compromisso com a educação, desde um modelo de pessoa, de sociedade e de felicidade diferente. Acreditamos que a pessoa é muito mais que o que pode comprar, adquirir ou possuir. Acreditamos que a felicidade não se encontra no nível de consumo, mas na qualidade humana. Acreditamos que ser humano é ser irmão, não concorrente. Acreditamos que a vida vale a pena quando temos um horizonte e um sentido: o horizonte nos orienta e o sentido nos alenta. Acreditamos que pensar primeiro no outro nos faz perceber com uma ótica nova os problemas e necessidades próprias, sendo mais fácil relativizá-los e enfrentá-los. Acreditamos que a vida a serviço de um mundo melhor é mais interessante, emocionante e “extrema” que viver afogado pelos desejos e necessidades narcisistas. Queremos aproveitar este mundo global para educar uma “consciência global”, reconhecendo em cada ser humano meu irmão e minha irmã. Queremos fazer uso das tecnologias para nos aproximarmos mais do mundo, de suas maravilhas e de seus sofrimentos, não para fugir dele ou para criar nosso “mundo virtual” egocêntrico e narcisista. Queremos educar para a resolução pacífica dos conflitos, não para evitá-los, como meio que são para aprender a dialogar, a reconhecer a verdade que está no outro e a respeitar a dignidade de todo ser humano. Queremos mandar a violência de volta ao mundo irreal do jogo e da brincadeira, onde as armas depois viram o que de fato são: ferramentas de trabalho e estudo; e ninguém fica machucado pelas balas de ar e as bombas que só fazem barulho. Queremos educar na paz que nasce da não-violência ativa, da vivência de atitudes pacíficas e do compromisso com a causa da justiça.

Queremos fazer do Colégio São Miguel Arcanjo um lugar de convivência e diálogo, de solidariedade, de compromisso pela paz e a justiça, de inclusão e de fraternidade. Estamos sonhando? Pode ser... Alguns sonham que chegarão a serem ricos, famosos e poderosos (e acabam vivendo a mesma vida frustrada de todos); outros que poderão comprar todas as coisas que a publicidade lhes oferece (e acabam hipotecando a saúde física, mental e até a própria família) pensando que assim serão felizes; outros sonham ainda ser o centro do mundo, como se este existisse só para e por eles (e acabam se tornando escravos de sua própria ilusão). Já que todos sonhamos, sonhemos pelo menos alguma coisa diferente e interessante, um sonho que possa oferecer uma alternativa para não continuar repetindo erros, um sonho que ajude a mudar um pouquinho a realidade, um sonho que se transforme em horizonte e em sentido.

Jesus de Nazaré sonhou e sacrificou a vida por fazer o sonho acontecer. São José de Calasanz sonhou com o direito à educação para todas as crianças, independente do estrato social e econômico, hoje é uma conquista quase universal. O Colégio São Miguel bebe na/da herança de Jesus, de São Jose de Calasanz e de tantas pessoas que se entregaram por educar libertando para melhorar este mundo. Hoje essa responsabilidade está em nossas mãos. Que Deus nos ajude!!!

Outra educação é possível.

A nossa razão de ser é educar pessoas livres, integralmente formadas para serem responsáveis, competentes e felizes em todas as dimensões de sua realidade pessoal e de sua vida, com um projeto de vida inspirado nos valores de Jesus de Nazaré (justiça, paz, fraternidade), sujeitos de uma sociedade mais justa e solidária ...

"No mundo dos deuses primeiros, os que formaram o mundo, tudo é sonho. E a terra em que vivemos e morremos é um grande espelho do sonho no qual vivem os deuses. Vivem todos juntos os grandes deuses. Bem juntinhos estão. Não há uns acima e outros abaixo. É a injustiça, quando vira governo, a que desarticula o mundo, colocando uns poucos acima e uns muitos abaixo. Não assim no mundo verdadeiro, o grande espelho do sonho dos deuses primeiros, quem formaram um mundo grande onde todos entram juntos e iguais. Não é como o mundo de agora, feito cada vez mais pequenininho para que uns poucos fiquem acima e muitos fiquem embaixo. O mundo de agora não é um bom espelho, não reflete o mundo de sonhos onde moram os deuses primeiros.
Os deuses deram como presente aos homens um espelho chamado ‘dignidade’. Nele os homens se percebem iguais, tornando-se rebeldes quando deixam de sê-lo. Foi assim que começou a rebeldia dos nossos primeiros avôs, os que hoje morrem em nós para que vivamos.
O espelho da dignidade serve para derrotar os demônios que espalham a escuridão. Se olhado no espelho, o senhor da escuridão aparece refletido como a nada que a forma. Como se fosse nada, o ‘desigualador’ do mundo torna-se nada diante do espelho da dignidade o senhor da escuridão.
Quatro pontos colocaram os deuses para o mundo permanecer deitado. Não porque estivesse cansado, senão para que iguais caminhassem sempre homens e mulheres, para todos terem lugar, para ninguém passar por cima do outro. Dos pontos colocaram os deuses para poder voar ou para ficar na terra. Outro ponto colocaram os deuses para os homens e mulheres verdadeiros puder caminhar. Sete são os pontos que dão sentido ao mundo e trabalho aos homens e mulheres verdadeiros: na frente e atrás, de um e do outro lado, acima e embaixo, e o sétimo, é o caminho que sonhamos, o destino dos homens e mulheres verdadeiros.
Uma lua em cada seio ofereceram os deuses às mulheres mães, para alimentarem com sonhos os homens e mulheres novos. Com eles se conserva viva a história e a memória, sem eles nos devoram a morte e o esquecimento. Há na terra, nossa grande mãe, dois seios para que os homens e mulheres apreendam a sonhar. Aprendendo a sonhar apreendem a ser grandes, a ser dignos, a lutar. Por isso, quando os homens e mulheres verdadeiros querem dizer ‘vamos sonhar’, falam: ‘vamos lutar’"
(Subc. Marcos - Chiapas, México).

A globalização oficial (e comercial) nos oferece continuamente um único modelo de pessoa, de sociedade, de cultura, de mercado, de pensamento, de felicidade... E nós, ávidos consumidores de novidades, compramos pensando ser o primeiro, o original e único, e realmente é um modelo único, não por sua exclusividade, mas por ser o mesmo para todos os homens e mulheres deste mundo, pelo menos para todos aqueles com capacidade e vontade para comprar.

No meio dessa globalização do ‘modelo único’ é agradável escutar vozes dissonantes, nos convidando a refletir, nos questionando nos nossos fundamentos existenciais, nos oferecendo a possibilidade de enxergar e interpretar o mundo desde um ponto de vista diferente do oficial. E talvez nos perguntemos: o que tudo isto tem a ver com a gente? Resposta telegráfica desde as chaves da nossa identidade: Colégio São Miguel Arcanjo (“Educar é libertar”) dos Padres Escolápios (“Educar evangelizando para transformar a sociedade”).

A nossa razão de ser é educar pessoas livres, integralmente formadas para serem responsáveis, competentes e felizes em todas as dimensões de sua realidade pessoal e de sua vida, com um projeto de vida inspirado nos valores de Jesus de Nazaré (justiça, paz, fraternidade), sujeitos de uma sociedade mais justa e solidária.

E daí nasce o questionamento: será que estamos educando na esperança e com a convicção de que um mundo melhor é possível, que uma pessoa mais livre e feliz é possível? Será que queremos alimentar com sonhos o coração das crianças e jovens, ou estamos, talvez sem sermos conscientes, tão empanturrados do modelo único que já não sabemos nem podemos enxergar a realidade com outros olhos? Realmente nos interessa que este mundo mude ou é melhor deixar ele assim como está?

O modelo único (de pessoa, sociedade, mundo, política, economia, pensamento, felicidade, diversão, escola...) vai se impondo também no mundo educativo (sempre disfarçado, com diferentes aparências e nomes), nos colocando, sem percebermos, no caminho único da concorrência empresarial, da excelência mercantilista, da mediocridade existencial.

Os que sonhamos, acreditamos e trabalhamos por uma pessoa e um mundo melhor para todos os homens e mulheres devemos estar de olho, porque até a educação (“melhor forma de servir a Deus, fazendo o bem às crianças mais pobres”, em palavras de São José de Calasanz), semente de um futuro melhor, pode se transformar facilmente numa fábrica de clones, reproduzindo a mesma realidade que questionamos.

Que São José de Calasanz (pedagogo e evangelizador incansável, inovador, criativo e sempre insatisfeito reformador) nos conserve a fé e o esforço por fazer acontecer o Reino de Deus através da educação.

30 de setembro de 2009

Iniciando a caminhada

Bem-vindos/as.
Uma porta se abre hoje para todos/as, nos convidando a adentrarmos por paisagens  novas e desconhecidas, pelas veredas da comunicação virtual, da partilha de reflexões, da construção coletiva de um novo pensamento.
Refletindo sobre a realidade, com um olhar crítico e construtivo, poderemos descobrir com esperança que um outro mundo é possível.
Não pretendemos expor nossas ideias como se fossem verdades absolutas, não entanto, jamais renunciaremos à firmeza nem à força nas nossas colocações, não por teimosia, fundamentalismo ou ideologia, mas por convicção.
"Utopias" nasce para recolher sonhos, análises, propostas, desafios... ferramentas básicas para transformar mentes, corações, vidas e, quem sabe, até o mundo.
Sejamos todos/as bem-vindos/as.