3 de março de 2010

Além do oceano... Na velha Europa...

Uma viagem pelas contradições da realidade espanhola.
Responsabilidades na missão escolápia levaram-nos, nos últimos dias de fevereiro, por uma rápida viagem pela minha terra, o País Basco. Não vou fazer uma crônica da viagem, mas partilhar sentimentos, percepções e impressões surgidas nesta visita...
Clima versus realidade: uma das primeiras coisas que me chama a atenção cada vez que viajo para Europa, concretamente para Espanha, é a enorme importância que a meteorologia tem na vida da sociedade, na mídia e no universo de preocupações e diálogos entre as pessoas. Particularmente gosto muito da meteorologia, não se trata disso. O que me preocupa é quando transformamos os fenômenos climáticos (sejam extraordinários ou não) em tema estrela. Neste momento em que o mundo debate-se com a morte por culpa de fenômenos históricos, por desídia dos que “bem-estão”, por políticas econômicas injustas e cruéis, não é esta uma sutil proposta para fugir da realidade? Por motivos religiosos ou metereológicos, resulta mais cômodo olhar para o céu do que para o rosto de quem sofre. Num mundo que tem séculos em alerta vermelha, numa sociedade cheia de situações dolorosas e trágicas, nos preocupamos com o clima como se nossa vida estivesse em risco, quando o verdadeiro risco é do 80% da nossa humanidade, em situação permanente de sobrevivência. Contraditório, não é?
Crise versus férias: a crise econômica dos países ricos (infelizmente, a maior parte do mundo vive em permanente situação de crise) está afetando fortemente a prosperidade econômica da sociedade espanhola. As políticas e os políticos não levaram a sério os sintomas da crise, e agora, a improvisação não consegue segurar o bem-estar prometido e, ficticiamente, conseguido. Uma economia construída sobre o comércio virtual de hipotecas e créditos, visando somente o lucro máximo e veloz, sem as necessárias raízes da produção para a distribuição, não aguenta uma tempestade. Aumenta o desemprego, cai o nível de consumo (até agora totalmente desmedido), se cortam as ajudas sociais, os créditos enforcam a vida das famílias... mas ninguém renuncia à viagem nas férias. Não conheço os dados, mas seria bom saber quanto gastam as famílias espanholas nas suas férias, em viagens exóticas, em aventuras consumistas e desnecessárias. Com certeza que também este valor diminuiu com a crise, mas com certeza também que não é pequeno. Mais uma contradição?
Espetáculo versus cultura: Europa é um continente com história, com povos milenares, com uma riqueza cultural incalculável. Infelizmente hoje a cultura se transformou em espetáculo triste, deprimente, dantesco, grotesco. O mercado se apropriou da cultura, transformando-a em mercadoria de consumo, sofrendo também ela a lógica da produção comercial atual: bens supérfluos, desnecessários, frágeis, que produzam um prazer imediato e fugaz, que chamem a atenção sem acrescentar nada, que cativem sem enriquecer, que criem dependência do consumo e não do produto. A cultura virou espetáculo, num processo de embrutecimento acelerado, enchendo as horas vagas dos desocupados, dos que, cumprido o expediente, se abandonam ao tédio em espera do final de semana (verdadeiro tempo de salvação da juventude européia moderna). A produção é comercial, não cultural; o objetivo é o lucro, não a cultura; o convite é ao consumismo, não ao deleite. Coitada da cultura dos civilizados!
Existem alternativas? Graças a Deus existem. Nesta rápida visita mergulhamos numa realidade diferente da predominante. Não quero pecar por presunçoso, louvando o que é próprio, mas realmente o fenômeno social e eclesial que está acontecendo ao redor da Escola Pia, principalmente no País Basco e com reflexo em outros lugares do mundo, me enche de esperança. Centenas de jovens e adultos, inconformados com ser como todos/as, vivem experiências grupais e comunitárias nas que se propõe um crescimento integral, nos valores evangélicos (sendo cristãos pelo que vivem, não só pelo que acreditam), experimentando a partilha e a solidariedade com os mais desfavorecidos, procurando um sentido para suas vidas, construindo aos poucos um mundo melhor, uma Igreja mais viva e significativa, comprometida com a construção do Reino. Não é o paraíso nem o modelo perfeito, mas é uma experiência verdadeiramente alternativa, no meio de uma sociedade que não enxerga além de seu nariz e de seu cartão de crédito. É um pequeno mundo novo e diferente acontecendo no coração do velho mundo. Mais uma contradição? Neste caso: abençoada contradição!

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