15 de julho de 2013

Persistência

Enquanto o pássaro cantar 
No mais alto da árvore
Confiando no vento
Que carrega seus sons
Até o ouvido amante

Enquanto as estrelas brilharem
Na mais escura noite
Esperando que suas faíscas
Dancem harmoniosamente
Para deleite dos namorados

Enquanto a flor se abrir
Exibindo seu coração colorido
Exalando seu sedutor perfume 
Desejando avivar o afeto
De quem ama em secreto

Enquanto o sol nascer
Revolucionando cada dia o horizonte
Não haverá escuridão que me acanhe
Nem silêncio que me intimide
Nem solidão que me congele

7 de julho de 2013

Pequena e delicada

Pequena e delicada
É a vida que nos confiam
A vida própria 
E a vida alheia
A vida do mundo
E a vida futura

Pequena e delicada
É a alma de quem nos ama
E em nós confia
Conosco se entrega
Por nós se arrisca
De nós se nutre

Pequena e delicada
É a flor com amor oferecida
Para agradecer a história
E florir o coração
Embelezando a vida
Enternecendo a alma

27 de junho de 2013

Insone

Acordou de imprevisto 
No silêncio da noite
Quando a vida viajava ainda 
Pelas estradas do cansaço
Arrastando a sombra
Pelas sendas já pisadas

Acordou sem motivo
Na imensidão noturna
De um véu iluminado
Por milhões de sonhos
Fugitivos e travessos 
anciãos ou recém-nascidos

Acordou sem desejá-lo
Na monotonia escura
De uma vida sem estrelas
Quando a lua namoradiça
Convidava radiante e tentadora
Ao eterno abraço dos insones

Acordou sem alternativa
No raiar de uma nova aventura
Com o coração atravessado
Pelo desejo de devorar o dia
Até retornar vazio e cansado
Ao seio que lhe proverá de vida

19 de junho de 2013

Indignação

Por que não consegues enxergar
As raízes de tua cadeira
As mãos que tecem 
Com sofrimento e fome
O teu colossal salário?

Se defendes apenas ao rico
E proteges com tuas leis
Aos que já têm resguardo
Nos seus privilégios
Quem olhará então para baixo
Para os que sobrevivem, somente
E agora se revoltam indignados
Por tanto sistema podre
E tanta promessa falsa?

Quem te recomendou
Responder aos seus lamentos
Com teus cães de guarda
Açoitando a esperança
De um povo que não aguenta
Tanto circo sem palhaço
De um futuro que nos aguarda
Além das trevas do presente?

16 de junho de 2013

Quando o frio chegar

Quando o frio chegar
Com seus assovios assustadores
Amedrontando as forças
Paralisando e escurecendo
Os ingênuos sonhos juvenis
Quando o frio chegar
Não deixes o sorriso murchar
Nem extinguir a alegria
Nem congelar a ternura
Quando o frio chegar
Com seu silêncio ameaçador
No permitas que o coração emudeça
Nem que se acobardem os olhos
Renunciando medrosos
À espera paciente
Do nascer do sol 
Dilacerador das trevas
Que enevoaram a esperança
Quando o frio chegar
Não soltes minha mão trêmula
Nem esqueças dos abraços cálidos
Que outrora semearam minha alma
Com o vigor do afeto
E o ardor da entrega
Quando o frio chegar
Que nos surpreenda juntos
Aquecendo o mundo
Com o nosso sangue vertido
Alimentando a terra
Com o nosso amor doado 

9 de junho de 2013

Ser como tu

Como tu
Ser como tu

Como tu
Água na areia
Envolvendo com afabilidade
Empapando silenciosamente

Como tu
Vento na praia
Aliviando com generosidade
Afagando carinhosamente 

Como tu
Sol no inverno
Aquecendo com tenacidade
Iluminando gratuitamente

Como tu
Que nem imagina ser assim
Um diminuto ser anônimo
No meio da algazarra 
Empequenecido pelos gritos
Desprezado pelo brilho
De estrelas fugazes e presunçosas

Como tu
Um sonho na distância
Um perfume inspirador

Como tu
Uma voz omitida
Um coração ignorado

Como tu
Ser como tu

2 de junho de 2013

Tua ferida aberta

Tua ferida aberta
Expõe sem pudor
A história da tua raiva
As raízes da tua dor
A origem do teu pranto

Como num mapa aberto
Descubro claras marcas 
De ignominioso desprezo
Rios de violência
Vertidos sem motivo
Num mar de culpa e vergonha
Cordilheiras de opróbio
Que deves superar cada dia
Para poder erguer a vida
E descobrir o céu

Tua ferida aberta
É um grito silenciado
Uma lágrima encalecida
Uma dor anestesiada
Que tenta fugir disfarçada
À procura de novas paisagens
Onde não exista mais
A palavra que fere
E a agressão que humilha

26 de maio de 2013

Semeando nas nuvens

Olho o céu e canto
Elevando acordes improvisados
Notas sinceras que nascem 
No mais profundo
Deste coração boêmio

Pelo dia canto às nuvens
Aos passarinhos errantes
Aos ventos indiscretos
E aos reflexos do sol irmão

De noite canto às estrelas
Às sempre presentes sombras
Aos sonhos que o sol arrastou
E à lua minha sugestiva amiga

Olho o céu e canto
Semeando notas em cada nuvem
Ocultando nomes em cada estrela
Adivinhando vozes na suave brisa
Intuindo rostos no céu eterno

18 de maio de 2013

Grita


Grita e não cales mais
Grita teu nome
Tua raiva
Tua impotência

Grita e não pares mais
Até derrubar os gelos
Que envolvem e protegem
O coração dos indiferentes

Grita e não aceites mais
A humilhação de tua raça
A miséria de tua vida
O esquecimento obrigado

Grita sem cessar
Até arrebentar o coração
Deste mundo surdo
Grávido e expectante

11 de maio de 2013

A pé


A pé, sempre a pé
Arrastando a vida
Por trilhas empoeiradas
E veredas sombrias
Empurrando a esperança
de alcançar algum destino
Que faça merecer um dia
Tanto esforço realizado

A pé, de novo a pé
Carregando o mundo
Em meio a pedras e feridas
Por cima de espinhos e prantos
Resistindo o frio manhaneiro
Aturando a solidão eterna
Sem mais suor que o sangue
Vertido pela fé dilacerada

A pé, eternamente a pé
Com o olhar perdido
Em um horizonte impossível
Açoitado pelos ventos atrozes
Semeando silenciosamente 
O cansaço acumulado na alma
Derramado em cada passo 
De uma esfomeada sombra

A pé, infatigavelmente a pé
Acordando com a lua
Viajando com as estrelas
Alimentando-se do tempo
Procurando no infinito
O que foi negado na história
Até o dia em que o sol anuncie
Que o dia contigo é mais dia

6 de maio de 2013

Meio-dia


Está chegando o meio-dia
Foi-se embora o vigor inicial
O momento de acometer aventuras
De acordar entusiasmado
De aproveitar o frescor 
E a luz nascente

Está chegando o meio-dia
Quando o sol se torna um peso
E já não mais desperta o ânimo
Quando o cansaço acumulado
Anda a procura de uma sombra
Onde reencontrar a esperança

Está chegando o meio-dia
E as aves já não cantam risonhas
Anunciando que a vida germina
Agora o silêncio impera no deserto
Os sonhos se abrasam calmamente
Enquanto o sol declina inevitável

1 de maio de 2013

Imenso e inocente


Seu olhar imenso e inocente
Como se o universo completo
Estivesse concentrado nele
Como se um oceano profundo
Inundasse cada uma de suas pupilas
Como se toda a história
Pudesse ser compreendida na sua luz
E no seu silêncio interpelador
Um interrogante imperioso:
- Quais as tuas intenções?

No seu olhar
Imenso e inocente
Uma eternidade de frustração
Promessas descumpridas
E sonhos abandonados

Através do seu olhar
Imenso e inocente
Uma esperança que não morre
Um futuro que nos aguilhoa
Uma terra que nos suplica

21 de abril de 2013

A alma sedenta


A alma sedenta
Não vive de promessas
Nem de ilusões vãs

Farta de formalismos
Não aceita mais falsidades
Nem palavras artificiais

Sempre insatisfeita
Procura nos fundos
O que a aparência esconde

A alma que degustou o céu
Não se satisfaz com mixarias
Nem com sonhos de fumaça

A alma sedenta
Nunca abandonará sua busca
De outras águas e outros beijos

Com quem forjar abraços
Que nos devolvam a vida
E nos aproximem do eterno

13 de abril de 2013

O beija-flor


Um beija-flor agitado
Chegou bem perto de mim
Com gesto atribulado
E revoar angustiado

- Por que a vida é tão desigual?
Enquanto uns sofrem pela calma
Eu não posso refrear esta agitação
Que me exaspera e descontrola

Com carinho empático
Coloquei-me nas suas penas
Sem respostas elaboradas
Mas com a sinceridade precisa

- Não temas tua veloz existência
Que a angústia ou a ansiedade
Não afoguem tua esperança
Acalma teu coração travesso
E escuta seus versos e anseios
Oferece para ele caminhos e palavras
E mesmo que a pressa continue
Arrastando os voos da tua vida
Não percas nunca o rumo 
Nem esqueças jamais a causa
Que não se murche teu sorriso
Nem se esfriem teus beijos
Procura em cada flor que te acolha
O destino que te aguarda
E o amor que te alimenta

1 de abril de 2013

Insurreição


Golpeia!

Açoita!

Ofende!

Não protegerei a face

Nem revidarei tua raiva

Séculos de silenciada dor

Me ensinaram a sofrer calado

Mostra tuas cartas!

Podes agudizar a crueldade!

Não me encolherei humilhado

Nem implorarei clemência

Tua violência te incrimina

O ódio que transpiras te condena

Me consideras derrotado

Me evitas na tua arrogância

Achando que a força te protege

Mas tu és tolo e esqueces

Que o sangue semeado

Sempre acaba florescendo

No coração dos pequenos

Que a inocência castigada

Não tolera a impunidade

E que a história finalmente

Erguerá a dignidade

De quem foi espoliado em vida

25 de março de 2013

A sombra


Há uma sombra insistente
Que me persegue sem piedade
Acossando-me sem trégua
Escurecendo minha memória
Entrevando minha alma

Ninguém a convidou
Não foi pronunciado seu nome
Nem solicitada sua presença
Mas ela fez se presente
Quando mais fraco me sentia

Apareceu no nascer do crepúsculo
Aproveitando o sol cansado
E a chegada das horas mais pesadas
Achando-me indefeso e desprevenido
Sem força para empreender a fuga

Hoje me acompanha implacável
Aferrada a cada passo e escolha
Semeando dúvidas e medos
Embaçando cada dia o horizonte
Querendo entorpecer minha esperança

18 de março de 2013

Memória


A brisa noturna

Trouxe à minha memória

A fragrância de dias floridos

Quando se teciam os abraços

Que balançavam nossos sonhos


O sol manhaneiro 

Refletiu nos meus olhos

O ardor de encontros felizes

Quando as palavras cediam espaço

Aos férteis silêncios do afeto

14 de março de 2013

Viver a poesia


Uma voz distante

Suscita ecos íntimos

O olhar perscrutador

Descobre ocultos tesouros

A palavra certeira

Nomeia estrelas e sonhos

Poesia

Uma forma de ler o mundo

De respirar a vida

De saborear o tempo

12 de março de 2013

Pesadelo invernal


Sinto um frio atroz
Encurralando-me a cada noite
Como uma faca gelada
Como um terrível presságio 

Envolve-me como hálito mórbido
Acossa-me como fera faminta
Observa-me como fatal destino 
Convida-me a abraçar a derrota

Sinto uma tristeza cruel
Sequestrando meus sonhos
Como um ladrão noturno
Como um vírus corroendo o céu

Assalta-me como guerreiro implacável
Seduz-me com suas finas artimanhas
Paralisa-me com seu olhar terrífico
Condena-me ao deserto infinito

1 de março de 2013

“O SUBSTITUTO”, um filme para repensar a vida.


Título original: Detachment (2011).
País: EUA.
Diretor: Tony Kaye.
Roteiro: Carl Lund.
Vencedor do prêmio do público na Mostra Internacional de São Paulo

O título original expõe de forma rápida toda a problemática do filme e dos seus personagens, o que não aparece refletido na tradução ao português. A palavra inglesa “detachment” pode ser traduzida como ”desapego” ou “distanciamento”, mas também “indiferença”. Isso é o que o filme retrata, de forma diversa, positiva e negativamente. O protagonista, um professor que somente faz substituições sem nunca assumir uma vaga fixa, vive carregando uma história familiar tortuosa que não acaba de assimilar. Chamado para realizar uma substituição em uma escola em um estado completo de caos, encontrará professores/as que não sentem apego nenhum pela sua profissão, estudantes desencantados e aborrecidos da vida antes mesmo de começá-la, adolescentes à procura de adultos em quem confiar e com os quais substituir pais negligentes ou ausentes. 

31 de dezembro de 2012

O eco


Uma história nas costas
Um sonho na pupila
Um germe no coração

Esforço cotidiano
Esperança semeada
Confiança oferecida

Gritos compartilhados
Lamentos reprimidos
Ofensas digeridas

Murchou-se a flor da manhã
Uma geada estéril tomou conta
As estrelas tornaram-se noite

Para que continuar cantando
Para quem espalhar meus versos
Se afinal somente o eco me responde?

24 de dezembro de 2012

Grávido


Como tornado imprevisto
Agitando meu interior
Como criança ansiosa
Abrindo caminhos para nascer

Como vulcão impetuoso
Expelindo o coração do mundo
São os sentimentos que me dominam
Contorcendo cruelmente minha vida

Grávido
Estou grávido
Inesperadamente
Assustadoramente

Fiquei grávido da Utopia
Essa senhora sempre nova
Que me seduz e encanta
Com ilusões palpáveis

Engravidei sem duvidar
Puxado pelo coração amante
Num fervilhar de sonhos possíveis
Arrebatado pelo céu vindouro

E quando a criatura se formava
Surgiu a palavra indesejada
E afastou-me da vida que tecia
Condenando-me à solidão fecunda

Agora estou grávido de angústia
Pelas sendas não percorridas
Pelas ideias não semeadas
Pelos sonhos que fugiram

Estou grávido de tristeza
Por tanta semente sem germinar
Por tanto esforço sem futuro
Por tanta herança não repartida

Estou grávido de raiva
Pelas lutas em que me envolveram
Por sofrer o destino dos dissidentes
Por ter que extinguir este amor gestante

17 de dezembro de 2012

Advento


Arrancarão do coração o sonho
E a vida se esvaziará sem sentido
Pausadamente
Inexoravelmente

Chegarão lógicas e explicações
Mas a dor não sabe de raciocínios
Terrivelmente
Inevitavelmente

Afastarão a seiva que me nutre
Transformando-me em terra ressequida
Solitariamente
Inexplicavelmente

Arrastar-me-ão como bicho desprezível
Arrebatando-me o sangue que me ergue
Sigilosamente
Impiedosamente

Mas ressurgirei da vergonha e do fracasso
Proclamando aos ventos o que amo
Irredutivelmente
Agradecidamente

10 de dezembro de 2012

Dolorosas obviedades


A flor murcha
Quando a raiz adoece

O medo impera
No coração atribulado

A razão se desvanece
Com cada palavra que fere

A esperança definha
Quando o orgulho governa

As sombras festejam
Quando o sol declina

A angústia congela
As asas dos sonhos

A noite se alastra
Obrigando o dia a fugir

O amor é uma frágil pena
Sacudida pela soberba

3 de dezembro de 2012

Condenados


Como onda violenta
Que arrasta o fundo
E faz borbulhar a pele

Como tornado repentino
Que arrasa a superfície
E arranca pela raiz a vida

Como tempestade de verão
Que engole a luz do dia
E transforma o céu em mar

Assim são a raiva e a impotência
Que habitam no coração ferido
Quando a mentira e a ofensa
Tomam conta do mundo
Afastando-nos dos sonhos
E condenando-nos ao pranto

26 de novembro de 2012

Apátrida

No país dos idiotas
É honrado e aclamado
Quem manipula os desejos
E submete a coragem

No império dos ignorantes
Somente os surdos
Sobrevivem ao temporal
De ofensas e sarcasmos

Na pátria dos soberbos
O carnaval é diário
Tabuleiro perfeito
Para bajuladores e falsos

19 de novembro de 2012

Uma pedra e outra pedra


Uma pedra
E outra pedra
Um míssil estrelado
Aniquila sem piedade
Uma família palestina

Uma pedra
E outra pedra
Uma bala perdida
Arrasta pelo chão da morte
Mais uma criança carioca

Uma pedra
E outra pedra
Os mercenários do império
Arrasam um povoado
Na sua faxina afegane

Uma pedra
E outra pedra
Crianças adestradas
Como máquinas de extermínio
Dessangram o coração da África

Uma pedra
E outra pedra
Os bancos e seus capangas
Impassíveis amarram a corda
Que enforcará a vida
De um despejado na Espanha

Uma pedra
E outra pedra
Gordos e ricos fazendeiros
Maquinam armadilhas legais
Para exterminar seus irmãos índios

Uma pedra
E outra pedra
Que não lapidem nosso coração
Alcemos nossa consciência
E vomitemos vergonha

Uma pedra
E outra pedra
Com todas as mãos na massa
Edifiquemos a dignidade
Desta humanidade estuprada

12 de novembro de 2012

Variações


A mão aberta
O olhar profundo
O passo firme
A voz terna
O ouvido atento
O sorriso franco
O coração disposto

A mão firme
O olhar atento
O passo disposto
A voz franca
O ouvido profundo
O sorriso terno
O coração aberto

Combinações
Variações
Decisões

5 de novembro de 2012

A missão do poeta

Não direi nada novo
Não revelarei mistérios
Nem propagarei segredos
Simplesmente darei voz
Aos sentimentos que nos afogam
Às esperanças que nos nutrem
E aos amores que nos sustentam
Gritarei em solidariedade rebelde
A dor de quem não conta
O silêncio imposto
E a raiva contida
De quem habita a noite
Cantarei com todas as vozes
Em todas as línguas
E com todas as cores
Que a vida é uma dança
Quando o coração nos guia
Que as espinhas nunca abafarão
A fragrância das rosas
E que o sol retornará do exílio
Quando derrotarmos as trevas

29 de outubro de 2012

As cores da vida


Com todos os tons
Todos os matizes
E todas as misturas
Assim é o mundo
Assim é a vida
Que sonho e construo

Azul escuro
É o esforço das minhas lutas
Como o oceano infinito
Onde repousa a utopia

Verde floresta
É a justiça que persigo
Para que a vida floresça
No coração mais árido

Vermelho intenso
São os sorrisos e abraços
Que acendem nossa alma
Quando o inverno nos cerca

Amarelo pálido
São as perguntas que nos guiam
Diversas e eternas
Para nunca desistir da viagem

Alaranjado luminoso
São os frutos da paz semeada
Nascendo dentre as trevas
Anunciando o dia que germina

Branco imaculado
É o coração de quem ama
Reunindo num só gesto
Todas as cores da vida

22 de outubro de 2012

Sol nascente


Afasta de ti as trevas
E permite que o dia floresça
Arreda as estrelas e as ilusões
Que a manhã refulgente
Desabroche no teu inverno

Não alimentes os fantasmas
Que habitam tuas sombras
Não deixes que seus gritos
Silenciem a melodia
Do teu coração vibrante

Abre as portas do céu
Convida a noite a fugir por elas
Abraça o fogo que em ti lateja
Deixa que o amor te deslumbre
E a confiança te conquiste

Que nada murche tua alegria
Nem os frios nem as penas
Esculpe um berço no teu peito
Para o sol morar sempre nele
Inflamando o que te faz viver

15 de outubro de 2012

Um sonho no meu coração


Os anjos sabem que muitos homens pragmáticos
ganham o pão com o suor do rosto do sonhador.
Gibrán Khalil Gibrán (Areia e espuma. 1926)

Numa travessura das estrelas
Uma delas esqueceu um sonho
No fundo do meu coração

Com a luz do dia o descobri
Tímido e apoucado
Enroscado no meu interior

- Não temas nem fujas
Neste meu coração humilde
Poderás germinar se quiseres

- Que o amor e a esperança
Sejam a terra fecunda
Que abrace e nutra as tuas raízes

- Que tuas flores e frutos
Sustentem minhas forças
Nas compridas noites do inverno

- Que tua luz eterna
Guie meus trêmulos passos
Rumo ao céu que te viu nascer

- E no definhar do meu caminho
Emocionado e agradecido
Devolver-te-ei ao colo que te gerou

8 de outubro de 2012

As vozes do porão


Desde a negritude deste mundo
Desde a feminidade da dor
Nos porões desta desumanidade
Escuto impotente e revoltado
Os sons que alimentam este inferno:
É a indiferença que fere
A gargalhada que vexa
O ouro que explora
A palavra que violenta
O olhar que humilha
A mão que tortura

É o menino soldado no Sudão
O mineiro escravo no Congo
A menina vendida na Indonésia
O camponês explorado no Brasil
A trabalhadora extenuada no Paquistão
O ilegal perseguido na Europa

As senzalas deste mundo
Continuam abertas e sangrantes
Tatuando os corpos de milhões
Com os sinais da violência
E do desprezo
Semeando a indignidade
Coletando a morte

Desde a negritude e a feminidade
Deste sistema cruel
Eleva-se um grito de insurreição
Um clamor que penetra no coração
De quem ainda sente a humanidade
Na própria pele

4 de outubro de 2012

Democracia

Numa escolha
O futuro
Numa decisão 
A dignidade
Numa oportunidade
A liberdade

Nem as ordens do fortão
Nem o ouro do ricaço
Nem os muros do arrogante
Nem as armas do brutão

Pelos que não são consultados
Pelos que não decidem
Pelos que ninguém considera
Pelos que somente sofrem

Para que a vida
Se torne humana
Para que a justiça
Se descubra viva

Numa escolha 
A possibilidade
Numa decisão
A responsabilidade
Numa oportunidade
A solidariedade 

1 de outubro de 2012

Andorinha atrevida


Uma andorinha atrevida
Me visita cada aurora
E sem licença nem recato
Rouba um por um
Meus sentimentos

Nestes dias perguntei curioso
– O que você faz
Andorinha abusada
Com as minhas emoções?
E ela sorriu descarada

– Peguei sua raiva
E a levei para bem longe
Até as gélidas paisagens
De eternas neves
Onde repousará adormecida
Até o dia que precise dela

– Sua tristeza teve como destino
O imenso e escuro oceano
E como era tão pesada
Afundou num instante
Lá deve estar afligindo as marés

–  Quando apanhei sua alegria
O céu se tornou uma festa
Todas as estrelas queriam recebê-la
Para cuidar dela com carinho
Tive que dividi-la entre todas
Até iluminar para sempre nossas noites

– A sua ternura até agradeceu pelo passeio
Me abraçou com tanta delicadeza
Que derreteu meu coração
A deixei bem pertinho da lua
Para que a noite se torne carícia
Afugentando os medos e a solidão

– Também recolhi sua misericórdia
Me pareceu uma verdadeira gracinha
Enquanto agitava as asas ela me animava
Encorajando-me na fadiga
Vou semeá-la nos corações
Para que a vida de todos floresça

24 de setembro de 2012

No silêncio rebelde


No silêncio rebelde
Conspiram os sonhos
Maquinando a estratégia
Para a insurreição dos simples

Não agitam bandeiras
Nem proferem promessas
Aprenderam sofrendo
A não se entregar a ilusões

A paciência é sua arma
Contra a astúcia dos fortes
O peso que carregam
Os transformará em gigantes

No silêncio rebelde
Conspiram os simples
Maquinando os sonhos
Que insurgirão o presente

17 de setembro de 2012

Desconhecido


Desconheço os olhos
Que um dia me modelaram
As mãos que me reconheceram
E os lábios que me receberam
Ignoro com qual material me forjaram
Em quais paisagens se inspiraram
Com quais formas me contornaram
Não decifro os fios com que me teceram
Nem a trama que me configura
Sou um estranho para mim mesmo
Um estrangeiro no seu próprio corpo
Um apátrida escravo na sua terra
Quanto mais me adentro nestas grutas
Por veredas e sendeiros sempre novos
Mais me assustam os vertiginosos descensos
As eternas e sufocantes ascensões
E os horizontes sempre inalcançáveis
Qual o meu fundo e o meu destino?
Qual a minha origem e a minha essência?
Para que a minha terra e os meus fantasmas?
Para quem o meu sangue e os meus poemas?
Sou sem saber e vivo sem querer
Desconheço os olhos
Que um dia me acolherão
As mãos que me resgatarão
E os lábios que me abraçarão

10 de setembro de 2012

Em nome dos sem nome


Em nome daqueles
Que não têm nome
Nem verbo
Nem rosto
Nem sonho

Em nome daqueles
Que não têm força
Nem luta
Nem arma
Nem causa

Em nome daqueles
Que não têm posse
Nem raça
Nem terra
Nem vida

Em nome daqueles
Que não podem nada
Que não lucram nada
Que não vendem nada
Que não deixam nada

Em seu nome arguo
Sem achar resposta
Em seu nome canto
Sem poupar esforços
Sem evitar o pranto

3 de setembro de 2012

Até acordar a terra


Fecha o punho
Até doer a vida
Alça a voz
Até abafar o vento
Aperta o passo
Até acordar a terra

Um novo dia
Está se tecendo
Um novo amanhã
Está sendo gerado
Com esperança inabalável
Com fúria irrefreável

Que o céu estrelado
Se faça eterno
Na força do teu olhar

Que o horizonte sonhado
Se torne próximo
Com cada luta sem abandonar

27 de agosto de 2012

Finalmente


Na memória
Paisagens eternas
Dolorosas jornadas
Mágicos ocasos

No olhar
Horizontes abertos
Tímidas estrelas
Coloridas auroras

No sangue
Furacões impetuosos
Generosas entregas
Saudosos combates

Na voz
Discursos apaixonados
Trêmulas melodias
Esquivos afetos

Na memória
No olhar
No sangue
Na voz
Uma vida agradecida
Um sonho semeado
Um tesouro recebido
Um amor imerecido

20 de agosto de 2012

O silêncio

O silêncio
Tentação ou ameaça?
Condenação ou oportunidade?
Deserto ou vale fértil?

O silêncio
Assalta-me como ladrão noturno
Invadindo as instâncias mais íntimas
Deste coração tímido

O silêncio
Chega como impetuoso temporal
Dissipando as marcas do ardente verão
Deste coração ferido

O silêncio
Surge devagarinho como broto na terra
Acalmando as afrontas e revoltas
Deste coração rebelde

O silêncio
Angústia ou esperança?
Pergunta ou resposta?
Destino ou escolha?

13 de agosto de 2012

ABCD


Alcemos as mãos e recebamos a esperança nascente
Batamos os pés no chão para acordar o caminho
Cantemos os hinos da nossa identidade
Deixemos para sempre os medos e as angústias

Aproxima-se um novo e feliz dia no horizonte
Balbuciando os verbos que construirão o futuro
Conquistando a dignidade e o amor que nos furtaram
Devolvendo a luz que iluminará nossas lutas

Abramos sem temor as portas do amanhã
Brindemos jubilosos pela terra avistada
Conciliemos nossos sonhos com um forte nó
Despreguemos as velas para os novos ventos que virão

Abracemos as estrelas antes que o dia as extinga
Bebamos de um trago as raivas e as ofensas
Coloquemos no seu lugar o sol que eclipsaram
Dissipemos as dúvidas e semeemos o céu em cada passo

5 de agosto de 2012

Contam as estrelas


Contam as estrelas
Para quem sabe escutá-las
Que no mais profundo deste planeta
Em silenciosa e irrefreável agitação
O fogo e a rocha se fundem
balançam e contorcem
Como eternos e jovens amantes
Nem as geladas neves boreais
Nem os abrasadores desertos
Nem o persistente pranto tropical
Lograram esmorecer seu amor queimante

Contam as estrelas
Para quem gosta de atendê-las
Que no mais profundo de cada ser
Em rítmica e interminável pulsação
O afeto e a cordura se debatem
Desafiam e enredam
Como ignorados e velhos vizinhos
Nem os antigos sermões moralistas
Nem as inteligentes lições dos mestres
Nem a ameaça dos ardentes infernos
Serviram para compassar sua dança frenética

30 de julho de 2012

Chega logo

Chega logo vento de agosto
E arranca com tua fúria
As pesadas correntes
Que nos impôs a noite

Chega rápido e disposto
Antes que as cruéis sombras
Extingam definitivamente o dia
Dissipando para sempre a esperança

Chega com tua mão firme
E tua voz implacável
Desafiando as argúcias e boatos
De quem queimou nossos sonhos

Chega com o coração na frente
Para que não seja a raiva
Quem lidere a batalha
E acabe trocando mau por ruim

Chega empunhando o perdão
Para que as mentiras e ofensas
Que semearam nas trevas
Cedam espaço aos abraços e às flores

9 de julho de 2012

No mais profundo de ti

No mais profundo do teu olhar
Posso intuir o universo
O celestial e desconhecido espaço
Por onde, qual vagalumes errantes
Se deslizam teus sentimentos
E cintila tua candura

No mais profundo do teu verbo
Imagino oceanos infinitos
Calmos ou arrebatados mares
Por onde, quais dançarinos cardumes
Se agitam tuas esperanças
E revivem teus sonhos

No mais profundo de ti
Um novo dia está germinando
Uma aurora de radiante júbilo
Um sol de arrebatadora justiça
Uma terra semeada de paz
E um anoitecer de agradecido amor

2 de julho de 2012

Pergunta


Pergunta aos ventos
De onde eles procedem
Qual o destino que os aguarda

Pergunta ao fogo
Por quem arde no seu íntimo
O que se forja no seu seio

Pergunta aos mares
Quem agita suas profundezas
Onde repousam suas tempestades

Pergunta às estrelas
Quando acenderam seus rostos
Quem aquece agora sua solidão

Pergunta ao teu coração
Por quem sonhas e cantas todo dia
O que te faz persistir neste turbilhão

25 de junho de 2012

O lar da vida


Num sorriso inocente
Numa lágrima meiga
Num gesto de ternura
Ou num silêncio solidário
Intuo um universo de sentido
Um horizonte infinito
Que me convida à confiança
Avivando minha coragem

Nos palcos e altares
Nas batalhas e vitórias
Nos méritos e conquistas
Descubro um mundo de falsidade
Palavras e reproches artificiais
Estrategicamente desenhados
Que ameaçam e intimidam
Até sufocarem a esperança

18 de junho de 2012

Deixa que explique

Arrastando a vida
Pelo chão do mundo
Descubro as perguntas
Que animam meus passos

Entoando as notas
Que o céu compõe
Sinto-me revigorado
Numa sinfonia de amor eterno

Escrutando o íntimo
Do coração humano
Intuo o propósito
Que me mantém vivo

11 de junho de 2012

Aprenderei sofrendo


E aprenderei somente sofrendo
Deixando a pele em cada passo
Arrastando a vida em cada ocaso
Recolhendo o sangue de cada luta

Aprenderei como sempre sofrendo
Voltando para casa exausto e ferido
Depois de enfrentar tempestades e iras
Depois de vagar entre espinhos e pedras

Aprenderei mais uma vez sofrendo
Tragando sem reclamo as raivas
Cuspindo aos prantos o orgulho
Guardando no silêncio os medos

Aprenderei mesmo sofrendo
E erguerei novamente meus punhos
Semeando aos ventos meus versos
Até florescerem na consciência do mundo

4 de junho de 2012

A dor nossa de cada dia


Dói a alma
Quando alguém inclemente reabre as velhas feridas
E as escuras nuvens que arruinaram o passado
Novamente ensombrecem o horizonte

Dói a vida
Quando o orgulho dilacera nossos sonhos
E desaparecem no céu as estrelas
Que em outro tempo guiaram os meus passos

Dói o sangue
Quando a mentira invade nossas veias
E como câncer toma conta da esperança
Decompondo as poucas forças que ainda tinha

Dói a raiva
Quando o silêncio se impõe sobre o direito
E o coração se afoga chorando no escondido
Regando com dor os brotos que florirão no futuro