8 de fevereiro de 2015

Clandestino

Sem rosto
Sem nome
Sem história
Uma sombra desconhecida
Um grito amordaçado
Invadindo a noite proibida
Pulando os muros de ferro

Os oceanos engoliram suas memórias
Os rios arrastaram suas esperanças
Por desertos e montanhas
Por estradas e trilhos
Multidões anônimas
Semeadas nas entranhas da terra

Quem inventou as fronteiras?
Quem criou essa asneira chamada pátria?
Quem dividiu a família humana?

Neste terreiro cósmico
Não existem ilegais
Ninguém deveria se sentir estranho
Nesta casa planetária
Todo rosto é irmão
Toda vida é querida
Todo sonho é sagrado

20 de julho de 2014

Revolução

Um rio de vontades
Arremetendo com fúria
Contra os muros levantados
Pela indiferença histórica

Um furacão de raivas
Arrancando de raiz
Séculos de injustiças
Edificadas com sangue

Uma multidão de anônimos
Erguendo a voz e o canto
Contra o silêncio imposto
Pelo terror estabelecido

O mundo se levantando
De um letargo forçoso
De uma noite opressora
De um inverno eterno

Uma revolução taciturna
Um povo novo ressurgindo
Um amanhecer desabrochando
Uma esperança se engendrando

14 de junho de 2014

Meditações

Nasceu o sol por trás do horizonte
E a escuridão que se achava eterna
Com um vermelho arrebatamento
Abandonou envergonhada
O palco que a exaltou

Nada é eterno neste universo infinito
A não ser o tempo que nos conduz
Por esta sedutora aventura
Indo e vindo
Surgindo e sumindo
Alçando e descendo
Amando e morrendo

Ninguém permanece para sempre no topo
O impiedoso tempo encarregar-se-á
De demolir os alicerces
De tão arrogante tentativa
As mentiras que o sustentavam
As ofensas que o alimentaram
A hipocrisia que o protegia

26 de abril de 2014

Uma nuvem peregrina

Cansada se arrastava uma nuvem
Deixando um rastro de aflição e pranto
Nem o canto dos pássaros 
Nem a melodia dos ventos
Conseguiam animar seu passo

Quais sinistros presságios 
Arrojará sua andança?
Até onde chegará
Sua infeliz odisseia?

Por que esse abatido gesto?
Por quem tão lastimoso rosto?
Perguntava interessado
Um fugitivo passarinho

Desde onde arrastando essa pena?
Até quando empurrando essa dor?
Indagava intrometida
Uma apreensiva borboleta

Mas a nuvem peregrina
Prolongava sua dolorosa romaria 
Engolindo em segredo suas dores
Soluçando copiosamente suas mágoas

9 de abril de 2014

Repetidamente

Intentando uma e outra vez
Insistindo sempre mais uma vez

Sem reparar no cansaço
Sem render-se ao fracasso

Com o semblante renovado
Com a esperança imaculada

Desvendando o horizonte certo
Desenhando sonhos no céu

Até descobrir a estrela esperada
Até despontar a jornada definitiva

Uma e outra vez
Sempre mais uma vez

8 de março de 2014

Corpo de mulher

Na pele curtida
As marcas profundas
De uma história
Sofrida em silêncio
De um desprezo
Carregado no rosto
De uma ofensa
Injetada na alma

No olhar infinito
Os sonhos germinados
De uma vida ditosa
Sem ódio nem raiva
De um abraço eterno
Sem custo nem ameaça
De um beijo sincero
Sem medo nem pena

Na memória florida
Os nomes gravados
De quem semeou a vida
Com cada gota do seu sangue
De quem levantou a bandeira
Para conquistar o direito
De quem engravidou de rebeldia
Para engendrar um futuro novo

No corpo firme
Os sinais manifestos
De feridas sangrantes
Choradas em noturna solidão
De sacrificados esforços
Na humildade do afeto sem par
De luminosas gargalhadas
Geradas nas redes do amor

21 de fevereiro de 2014

A festa dos idiotas

Cantamos sem refletir
Comemos sem digerir
Beijamos sem saborear
Amamos sem renunciar

Na festa dos idiotas
Nada tem sentido
Tudo virou automático
Sem criatividade
Nem espontaneidade
Alienado rito tragicômico
Repetido até a extenuação

Na festa dos idiotas
Os mais espertos têm a batuta
E dirigem a orquestra
Sem jeito nem maneira
Enquanto os idiotas da vida
Arrastam seus passos
Num frenesi alcoolizado
Num delírio narcotizado

Na festa dos idiotas
Palavras vazias
Enfeitam as paredes e as salas
Enchendo os olhos 
De fascinados leitores
Que engolem a vida
Sem questionar nem sentir

Na festa dos idiotas
A ideologia é servida
Em sedutores pratos
De manjares exóticos
Enquanto empapuçados convidados
Dormitam recostados
Sobre a miséria do mundo

Existimos sem rumo
Dançamos sem gosto
Sofremos sem pranto
Morreremos sem luto

14 de fevereiro de 2014

Me chamarão de louco

Me chamarão de louco
Por sonhar com estrelas impossíveis
Por desenhar florestas no deserto
Por perguntar aos ventos
Quem causou esta barbárie

Me chamarão de louco
Por erguer o rosto ao chegar a tempestade
Por resistir em silêncio agravos e calúnias
Por semear no crepúsculo
Harmonias íntimas de amor e de luta

Me chamarão de louco
Por confiar ainda na bondade humana
Por esperar cada noite o renascer do dia
Por proclamar aos gritos
Que a vida está viva no coração da gente

5 de fevereiro de 2014

Caminhei silencioso

Caminhei silencioso
Para não acordar os ventos
Para não alertar as estrelas
Para não acender o sol

Caminhei silencioso
No meio de sombras
No meio das presas
No meio da dor

Caminhei silencioso
Sem procurar um destino
Sem olhar o vizinho
Sem importar o suor

Caminhei silencioso
Confiando nos sonhos
Confiando nos outros
Confiando em vão

Caminhei silencioso
Passo a passo pela vida
Passo a passo pelo mundo
Passo a passo pela fé

23 de dezembro de 2013

Está chegando

Está chegando
Devagar 
Sem fazer barulho
Acariciando a terra em cada passo
Beijando o vento em cada alento

Está chegando
Atravessando decididamente
Obstáculos e tentações
Evitando com destreza
Espinhas e ameaças

Está chegando
Para proclamar aos ventos
Que o sol eterno já vai nascer
Que acabou o reinado 
Das sombras e da morte
Erguendo a esperança
De quem vive abatido

Acordemos!
Gritemos sem medo ao mundo
Que está chegando o amanhã
E como uma folha em branco
Estenderá seu horizonte
Para que nele desenhemos
Com o pincel do coração
E a tinta das decisões
Cada um dos nossos sonhos
Cada uma das nossas lutas
Delineando com amor
Os nomes e os rostos
Que fecundarão nossa memória

11 de dezembro de 2013

Em um dia tormentoso

Em um dia tormentoso
Abri meu coração
Amedrontado
E descobri com surpresa
Feridas eternamente abertas
Flores ainda coloridas
Risos e olhares afetuosos
Lágrimas e dores semeadas
Amores com temores misturados
Esperanças e fraquezas entrelaçadas

Em um dia tormentoso
Abri meu coração
Fugitivo
Despertando sem pretender
Agradecimentos e remorsos
Vergonhas e satisfações
Dívidas e saudades
Afetos e desenganos

Em um dia tormentoso
Abri meu coração
Complicado

2 de novembro de 2013

Francamente

Nasci palhaço
E morrerei 
Com um sorriso
Enfeitando meu coração

Já chorei no meu caminho
Menos do que deveria
Mais do que gostaria
Engolindo em silêncio o pranto
Digerindo na solidão a dor

E reclamei muito também
Pelos defeitos não admitidos
Pelas feridas sem querer abertas
Por sonhos frustrados
E por guerras sofridas

Mas não tenho como fugir
Do meu destino cômico
Da risada que virou rotina
Da piada com que interpreto a vida
Da bobagem que rouba um sorriso
Até do mais fechado dos rostos

Nasci palhaço
E partirei rindo
Deste mundo paciente
Que suportou meu circo

25 de outubro de 2013

O céu abriu-se

Céu de Anzaldo após uma forte chuva de granizo
O céu abriu-se após a tempestade
Como um sorriso transparente
Sincero e acolhedor
E todos os olhares
Concentraram-se nele
Como aguardando uma palavra

O céu abriu-se em silêncio generoso
Invadindo os corações agitados
Pela violência do temporal
E os assustados rostos 
Sossegaram-se espelhando
A beleza do espetáculo oferecido

O céu abriu-se harmoniosamente
Inundando de luz o dia
Rachando as trevas
Com um vermelho libertário
Lembrando para todos
Que não há tempestade eterna
Nem escuridão que suporte 
O embate de um povo
Quando em rebeldia se levanta

12 de outubro de 2013

Autorretrato

Cheguei a este mundo
Carregando poucas coisas
Na minha mochila
Um sonho
Algumas canções
E uma alegria 
Que nada e ninguém 
Conseguirão murchar
Nem as injustiças 
Do poderoso
Nem as calúnias
Do invejoso
Nem a ironia 
Do arrogante
Nem o desprezo 
Do orgulhoso

Cheguei a este mundo
Sorrindo na dor
Cantando na solidão
Sonhando acordado
Com um amanhecer 
De luz para todos
Com flores e pássaros
Enfeitando a vida
Com melodiosas estrelas 
Pronunciando mil nomes
Com novas paisagens
Onde semear generoso
Um sorriso sincero
Um sonho de amor fraterno
E umas poucas canções

22 de setembro de 2013

Ares puros

Respiremos ares puros
Renovados
Revolucionados
Oxigênio gerado 
Nas risadas estrondosas das crianças
No olhar sincero dos apaixonados
No beijo nervoso da mãe novata
No abraço profundo do amigo fiel
Para que ninguém se asfixie mais
Nas poluídas atmosferas 
Que torturam e matam
No bafo que se eleva 
Do esforço ingente do operário explorado
Da tristeza silenciosa do indígena desprezado
Da bestialidade imposta à criança soldado
Da violência tatuada no rosto feminino
Do odor insuportável dos lixões habitados
Dos rios de sangue inocente vertidos na terra

Respiremos ares puros
Que renovem nossa alma
Que revolucionem nossa consciência
E nos comprometam a vida

6 de setembro de 2013

Uma só palavra

Uma só palavra 
Pode definir o destino do mundo
Uma só palavra
De quem não nos representa
De quem não escolhemos
De quem não nos conhece
Nem sabe nada 
Dos nossos anseios
Das nossas necessidades
Dos nossos sentimentos

Uma só palavra
Para saber se haverá amanhã
Se os nossos filhos poderão sorrir
E a nossa esperança dar seus frutos
Uma só palavra
Para sonhar e semear o futuro
Ou chorar de raiva pelo presente perdido

Uma palavra 
Que nos torne mais humanos
Ou bem uma palavra
Que acorde o monstro que levamos dentro
Uma palavra 
Que nos faça irmãos
Ou essa outra palavra 
Que nos converte em animais

Uma só palavra
Pode marcar os rumos da humanidade
Uma só palavra
De quem governa o reino da ambiguidade
O presidente de uma pátria sem povo
Com uma bandeira ensanguentada
De um Estado fracassado e hipócrita
Que somente sabe cevar os ódios

Uma só palavra
Pode destruir ou salvar o mundo
A palavra de quem frustrou os sonhos
Nossos sonhos de um mundo diferente
Seus próprios sonhos de uma democracia real
A palavra daquele que o mundo
Reconheceu como defensor da paz
E hoje urina nela sem pudor nenhum
Para manter seus privilégios a preço de humanidade

Uma só palavra
Pode marcar a história
Ou iniciar sua extinção

Uma só palavra
E todos esperamos e exigimos seja esta:
PAZ!

15 de agosto de 2013

Perguntas sem resposta

Me perguntaram 
Pelo significado da história
Pela bagagem que incansavelmente
Carregamos na memória
E não achei a resposta certa
Simplesmente fiquei calado
Relendo nomes e lugares
Revivendo afetos e feridas
Saboreando abraços e lágrimas
Agradecendo rostos e palavras

Me perguntaram
Pelo sentido da vida
Pela esperança que gratuitamente
Vai nutrindo nossos dias
E não soube responder certeiramente
Apenas fechei os olhos
Adivinhando um amanhecer em paz
Imaginando gargalhadas e beijos
Deleitando encontros e reconciliações
Sustentando meu compromisso diário

4 de agosto de 2013

Procuremos

Procuremos na memória
O frescor que nos roubaram
A alegria sequestrada
E a esperança clandestina
E quando chegarem, porque virão 
Os semeadores de trevas
Que não se atemorizem 
Os rebentos do nosso amor
Os brotos da vida 
Que vamos tecendo
Na trama dos nossos medos
No tear das nossas sombras

Procuremos no horizonte
O céu que nos foi prometido
Acariciando esta terra
Que abraça nossas lutas

Procuremos na distância
O encontro definitivo
Que aliviará nossas penas
Como bálsamo para as feridas

Procuremos no presente
A razão dos nossos esforços
Que aquecerá o nosso sangue
Quando a noite se faça eterna

28 de julho de 2013

Me pesa o mundo

Me pesa o mundo
Tomada de: http://mwfpress.com
Sei perfeitamente
Que não o carrego sozinho
E sei também
Que normalmente
É ele quem me carrega
Mas mesmo assim
Me pesa o mundo
Como uma carga gigante
Que tivessem colocado
No fundo da minha retina
Me pesa este mundo
Quando não amanhece 
Em todo seu esférico horizonte
Condenando a seus filhos
A uma eterna noite
Me pesa este mundo
Que não quer saber
Que a fome é mais cruel
Quando exibindo o prato cheio
Se proíbe o seu deleite
Me pesa um mundo
Que vira de costas
Para não atender os rostos
Que choram e tremem
Que faz de conta
E abandona friamente 
A quem fugindo da morte
Enfrenta fronteiras
E assalta as barreiras
Me pesa o mundo
Que fica mudo
E se evade surdo
Enquanto as armas detonam
A infância mais terna
Me pesa este mundo
Que se diverte e engana
Com fugazes fulgores
E opulentos excessos
Me pesa o mundo
Que vive na superfície
Ocultando e esquivando
O que na profundeza ocorre
Me pesa este mundo
Que narcotiza a consciência
Entorpecendo a raiva
Sepultando a mudança
Enaltecendo a indiferença

21 de julho de 2013

Tu estás em todos

Num frio amanhecer
Veio tua vaporosa figura 
Até a minha memória
Aquecendo as lembranças
Que agora me nutrem
Um rosto diverso
Um nome entre outros
Um corpo abraçado
Uma voz acompanhada
Porque tu és todos os corpos
Estás em todas as vozes
Te vejo em todos os rostos
Te encontro em todos os nomes

Num frio amanhecer
Veio até a minha presença
Tua vaporosa lembrança
Despertando o ardente desejo
De abraçar-te em todo abraço
De beijar-te em todos os rostos
De amar-te em cada encontro

15 de julho de 2013

Persistência

Enquanto o pássaro cantar 
No mais alto da árvore
Confiando no vento
Que carrega seus sons
Até o ouvido amante

Enquanto as estrelas brilharem
Na mais escura noite
Esperando que suas faíscas
Dancem harmoniosamente
Para deleite dos namorados

Enquanto a flor se abrir
Exibindo seu coração colorido
Exalando seu sedutor perfume 
Desejando avivar o afeto
De quem ama em secreto

Enquanto o sol nascer
Revolucionando cada dia o horizonte
Não haverá escuridão que me acanhe
Nem silêncio que me intimide
Nem solidão que me congele

7 de julho de 2013

Pequena e delicada

Pequena e delicada
É a vida que nos confiam
A vida própria 
E a vida alheia
A vida do mundo
E a vida futura

Pequena e delicada
É a alma de quem nos ama
E em nós confia
Conosco se entrega
Por nós se arrisca
De nós se nutre

Pequena e delicada
É a flor com amor oferecida
Para agradecer a história
E florir o coração
Embelezando a vida
Enternecendo a alma

27 de junho de 2013

Insone

Acordou de imprevisto 
No silêncio da noite
Quando a vida viajava ainda 
Pelas estradas do cansaço
Arrastando a sombra
Pelas sendas já pisadas

Acordou sem motivo
Na imensidão noturna
De um véu iluminado
Por milhões de sonhos
Fugitivos e travessos 
anciãos ou recém-nascidos

Acordou sem desejá-lo
Na monotonia escura
De uma vida sem estrelas
Quando a lua namoradiça
Convidava radiante e tentadora
Ao eterno abraço dos insones

Acordou sem alternativa
No raiar de uma nova aventura
Com o coração atravessado
Pelo desejo de devorar o dia
Até retornar vazio e cansado
Ao seio que lhe proverá de vida

19 de junho de 2013

Indignação

Por que não consegues enxergar
As raízes de tua cadeira
As mãos que tecem 
Com sofrimento e fome
O teu colossal salário?

Se defendes apenas ao rico
E proteges com tuas leis
Aos que já têm resguardo
Nos seus privilégios
Quem olhará então para baixo
Para os que sobrevivem, somente
E agora se revoltam indignados
Por tanto sistema podre
E tanta promessa falsa?

Quem te recomendou
Responder aos seus lamentos
Com teus cães de guarda
Açoitando a esperança
De um povo que não aguenta
Tanto circo sem palhaço
De um futuro que nos aguarda
Além das trevas do presente?

16 de junho de 2013

Quando o frio chegar

Quando o frio chegar
Com seus assovios assustadores
Amedrontando as forças
Paralisando e escurecendo
Os ingênuos sonhos juvenis
Quando o frio chegar
Não deixes o sorriso murchar
Nem extinguir a alegria
Nem congelar a ternura
Quando o frio chegar
Com seu silêncio ameaçador
No permitas que o coração emudeça
Nem que se acobardem os olhos
Renunciando medrosos
À espera paciente
Do nascer do sol 
Dilacerador das trevas
Que enevoaram a esperança
Quando o frio chegar
Não soltes minha mão trêmula
Nem esqueças dos abraços cálidos
Que outrora semearam minha alma
Com o vigor do afeto
E o ardor da entrega
Quando o frio chegar
Que nos surpreenda juntos
Aquecendo o mundo
Com o nosso sangue vertido
Alimentando a terra
Com o nosso amor doado 

9 de junho de 2013

Ser como tu

Como tu
Ser como tu

Como tu
Água na areia
Envolvendo com afabilidade
Empapando silenciosamente

Como tu
Vento na praia
Aliviando com generosidade
Afagando carinhosamente 

Como tu
Sol no inverno
Aquecendo com tenacidade
Iluminando gratuitamente

Como tu
Que nem imagina ser assim
Um diminuto ser anônimo
No meio da algazarra 
Empequenecido pelos gritos
Desprezado pelo brilho
De estrelas fugazes e presunçosas

Como tu
Um sonho na distância
Um perfume inspirador

Como tu
Uma voz omitida
Um coração ignorado

Como tu
Ser como tu

2 de junho de 2013

Tua ferida aberta

Tua ferida aberta
Expõe sem pudor
A história da tua raiva
As raízes da tua dor
A origem do teu pranto

Como num mapa aberto
Descubro claras marcas 
De ignominioso desprezo
Rios de violência
Vertidos sem motivo
Num mar de culpa e vergonha
Cordilheiras de opróbio
Que deves superar cada dia
Para poder erguer a vida
E descobrir o céu

Tua ferida aberta
É um grito silenciado
Uma lágrima encalecida
Uma dor anestesiada
Que tenta fugir disfarçada
À procura de novas paisagens
Onde não exista mais
A palavra que fere
E a agressão que humilha

26 de maio de 2013

Semeando nas nuvens

Olho o céu e canto
Elevando acordes improvisados
Notas sinceras que nascem 
No mais profundo
Deste coração boêmio

Pelo dia canto às nuvens
Aos passarinhos errantes
Aos ventos indiscretos
E aos reflexos do sol irmão

De noite canto às estrelas
Às sempre presentes sombras
Aos sonhos que o sol arrastou
E à lua minha sugestiva amiga

Olho o céu e canto
Semeando notas em cada nuvem
Ocultando nomes em cada estrela
Adivinhando vozes na suave brisa
Intuindo rostos no céu eterno

18 de maio de 2013

Grita


Grita e não cales mais
Grita teu nome
Tua raiva
Tua impotência

Grita e não pares mais
Até derrubar os gelos
Que envolvem e protegem
O coração dos indiferentes

Grita e não aceites mais
A humilhação de tua raça
A miséria de tua vida
O esquecimento obrigado

Grita sem cessar
Até arrebentar o coração
Deste mundo surdo
Grávido e expectante

11 de maio de 2013

A pé


A pé, sempre a pé
Arrastando a vida
Por trilhas empoeiradas
E veredas sombrias
Empurrando a esperança
de alcançar algum destino
Que faça merecer um dia
Tanto esforço realizado

A pé, de novo a pé
Carregando o mundo
Em meio a pedras e feridas
Por cima de espinhos e prantos
Resistindo o frio manhaneiro
Aturando a solidão eterna
Sem mais suor que o sangue
Vertido pela fé dilacerada

A pé, eternamente a pé
Com o olhar perdido
Em um horizonte impossível
Açoitado pelos ventos atrozes
Semeando silenciosamente 
O cansaço acumulado na alma
Derramado em cada passo 
De uma esfomeada sombra

A pé, infatigavelmente a pé
Acordando com a lua
Viajando com as estrelas
Alimentando-se do tempo
Procurando no infinito
O que foi negado na história
Até o dia em que o sol anuncie
Que o dia contigo é mais dia

6 de maio de 2013

Meio-dia


Está chegando o meio-dia
Foi-se embora o vigor inicial
O momento de acometer aventuras
De acordar entusiasmado
De aproveitar o frescor 
E a luz nascente

Está chegando o meio-dia
Quando o sol se torna um peso
E já não mais desperta o ânimo
Quando o cansaço acumulado
Anda a procura de uma sombra
Onde reencontrar a esperança

Está chegando o meio-dia
E as aves já não cantam risonhas
Anunciando que a vida germina
Agora o silêncio impera no deserto
Os sonhos se abrasam calmamente
Enquanto o sol declina inevitável

1 de maio de 2013

Imenso e inocente


Seu olhar imenso e inocente
Como se o universo completo
Estivesse concentrado nele
Como se um oceano profundo
Inundasse cada uma de suas pupilas
Como se toda a história
Pudesse ser compreendida na sua luz
E no seu silêncio interpelador
Um interrogante imperioso:
- Quais as tuas intenções?

No seu olhar
Imenso e inocente
Uma eternidade de frustração
Promessas descumpridas
E sonhos abandonados

Através do seu olhar
Imenso e inocente
Uma esperança que não morre
Um futuro que nos aguilhoa
Uma terra que nos suplica

21 de abril de 2013

A alma sedenta


A alma sedenta
Não vive de promessas
Nem de ilusões vãs

Farta de formalismos
Não aceita mais falsidades
Nem palavras artificiais

Sempre insatisfeita
Procura nos fundos
O que a aparência esconde

A alma que degustou o céu
Não se satisfaz com mixarias
Nem com sonhos de fumaça

A alma sedenta
Nunca abandonará sua busca
De outras águas e outros beijos

Com quem forjar abraços
Que nos devolvam a vida
E nos aproximem do eterno

13 de abril de 2013

O beija-flor


Um beija-flor agitado
Chegou bem perto de mim
Com gesto atribulado
E revoar angustiado

- Por que a vida é tão desigual?
Enquanto uns sofrem pela calma
Eu não posso refrear esta agitação
Que me exaspera e descontrola

Com carinho empático
Coloquei-me nas suas penas
Sem respostas elaboradas
Mas com a sinceridade precisa

- Não temas tua veloz existência
Que a angústia ou a ansiedade
Não afoguem tua esperança
Acalma teu coração travesso
E escuta seus versos e anseios
Oferece para ele caminhos e palavras
E mesmo que a pressa continue
Arrastando os voos da tua vida
Não percas nunca o rumo 
Nem esqueças jamais a causa
Que não se murche teu sorriso
Nem se esfriem teus beijos
Procura em cada flor que te acolha
O destino que te aguarda
E o amor que te alimenta

1 de abril de 2013

Insurreição


Golpeia!

Açoita!

Ofende!

Não protegerei a face

Nem revidarei tua raiva

Séculos de silenciada dor

Me ensinaram a sofrer calado

Mostra tuas cartas!

Podes agudizar a crueldade!

Não me encolherei humilhado

Nem implorarei clemência

Tua violência te incrimina

O ódio que transpiras te condena

Me consideras derrotado

Me evitas na tua arrogância

Achando que a força te protege

Mas tu és tolo e esqueces

Que o sangue semeado

Sempre acaba florescendo

No coração dos pequenos

Que a inocência castigada

Não tolera a impunidade

E que a história finalmente

Erguerá a dignidade

De quem foi espoliado em vida

25 de março de 2013

A sombra


Há uma sombra insistente
Que me persegue sem piedade
Acossando-me sem trégua
Escurecendo minha memória
Entrevando minha alma

Ninguém a convidou
Não foi pronunciado seu nome
Nem solicitada sua presença
Mas ela fez se presente
Quando mais fraco me sentia

Apareceu no nascer do crepúsculo
Aproveitando o sol cansado
E a chegada das horas mais pesadas
Achando-me indefeso e desprevenido
Sem força para empreender a fuga

Hoje me acompanha implacável
Aferrada a cada passo e escolha
Semeando dúvidas e medos
Embaçando cada dia o horizonte
Querendo entorpecer minha esperança

18 de março de 2013

Memória


A brisa noturna

Trouxe à minha memória

A fragrância de dias floridos

Quando se teciam os abraços

Que balançavam nossos sonhos


O sol manhaneiro 

Refletiu nos meus olhos

O ardor de encontros felizes

Quando as palavras cediam espaço

Aos férteis silêncios do afeto

14 de março de 2013

Viver a poesia


Uma voz distante

Suscita ecos íntimos

O olhar perscrutador

Descobre ocultos tesouros

A palavra certeira

Nomeia estrelas e sonhos

Poesia

Uma forma de ler o mundo

De respirar a vida

De saborear o tempo

12 de março de 2013

Pesadelo invernal


Sinto um frio atroz
Encurralando-me a cada noite
Como uma faca gelada
Como um terrível presságio 

Envolve-me como hálito mórbido
Acossa-me como fera faminta
Observa-me como fatal destino 
Convida-me a abraçar a derrota

Sinto uma tristeza cruel
Sequestrando meus sonhos
Como um ladrão noturno
Como um vírus corroendo o céu

Assalta-me como guerreiro implacável
Seduz-me com suas finas artimanhas
Paralisa-me com seu olhar terrífico
Condena-me ao deserto infinito

1 de março de 2013

“O SUBSTITUTO”, um filme para repensar a vida.


Título original: Detachment (2011).
País: EUA.
Diretor: Tony Kaye.
Roteiro: Carl Lund.
Vencedor do prêmio do público na Mostra Internacional de São Paulo

O título original expõe de forma rápida toda a problemática do filme e dos seus personagens, o que não aparece refletido na tradução ao português. A palavra inglesa “detachment” pode ser traduzida como ”desapego” ou “distanciamento”, mas também “indiferença”. Isso é o que o filme retrata, de forma diversa, positiva e negativamente. O protagonista, um professor que somente faz substituições sem nunca assumir uma vaga fixa, vive carregando uma história familiar tortuosa que não acaba de assimilar. Chamado para realizar uma substituição em uma escola em um estado completo de caos, encontrará professores/as que não sentem apego nenhum pela sua profissão, estudantes desencantados e aborrecidos da vida antes mesmo de começá-la, adolescentes à procura de adultos em quem confiar e com os quais substituir pais negligentes ou ausentes. 

31 de dezembro de 2012

O eco


Uma história nas costas
Um sonho na pupila
Um germe no coração

Esforço cotidiano
Esperança semeada
Confiança oferecida

Gritos compartilhados
Lamentos reprimidos
Ofensas digeridas

Murchou-se a flor da manhã
Uma geada estéril tomou conta
As estrelas tornaram-se noite

Para que continuar cantando
Para quem espalhar meus versos
Se afinal somente o eco me responde?

24 de dezembro de 2012

Grávido


Como tornado imprevisto
Agitando meu interior
Como criança ansiosa
Abrindo caminhos para nascer

Como vulcão impetuoso
Expelindo o coração do mundo
São os sentimentos que me dominam
Contorcendo cruelmente minha vida

Grávido
Estou grávido
Inesperadamente
Assustadoramente

Fiquei grávido da Utopia
Essa senhora sempre nova
Que me seduz e encanta
Com ilusões palpáveis

Engravidei sem duvidar
Puxado pelo coração amante
Num fervilhar de sonhos possíveis
Arrebatado pelo céu vindouro

E quando a criatura se formava
Surgiu a palavra indesejada
E afastou-me da vida que tecia
Condenando-me à solidão fecunda

Agora estou grávido de angústia
Pelas sendas não percorridas
Pelas ideias não semeadas
Pelos sonhos que fugiram

Estou grávido de tristeza
Por tanta semente sem germinar
Por tanto esforço sem futuro
Por tanta herança não repartida

Estou grávido de raiva
Pelas lutas em que me envolveram
Por sofrer o destino dos dissidentes
Por ter que extinguir este amor gestante

17 de dezembro de 2012

Advento


Arrancarão do coração o sonho
E a vida se esvaziará sem sentido
Pausadamente
Inexoravelmente

Chegarão lógicas e explicações
Mas a dor não sabe de raciocínios
Terrivelmente
Inevitavelmente

Afastarão a seiva que me nutre
Transformando-me em terra ressequida
Solitariamente
Inexplicavelmente

Arrastar-me-ão como bicho desprezível
Arrebatando-me o sangue que me ergue
Sigilosamente
Impiedosamente

Mas ressurgirei da vergonha e do fracasso
Proclamando aos ventos o que amo
Irredutivelmente
Agradecidamente

10 de dezembro de 2012

Dolorosas obviedades


A flor murcha
Quando a raiz adoece

O medo impera
No coração atribulado

A razão se desvanece
Com cada palavra que fere

A esperança definha
Quando o orgulho governa

As sombras festejam
Quando o sol declina

A angústia congela
As asas dos sonhos

A noite se alastra
Obrigando o dia a fugir

O amor é uma frágil pena
Sacudida pela soberba

3 de dezembro de 2012

Condenados


Como onda violenta
Que arrasta o fundo
E faz borbulhar a pele

Como tornado repentino
Que arrasa a superfície
E arranca pela raiz a vida

Como tempestade de verão
Que engole a luz do dia
E transforma o céu em mar

Assim são a raiva e a impotência
Que habitam no coração ferido
Quando a mentira e a ofensa
Tomam conta do mundo
Afastando-nos dos sonhos
E condenando-nos ao pranto

26 de novembro de 2012

Apátrida

No país dos idiotas
É honrado e aclamado
Quem manipula os desejos
E submete a coragem

No império dos ignorantes
Somente os surdos
Sobrevivem ao temporal
De ofensas e sarcasmos

Na pátria dos soberbos
O carnaval é diário
Tabuleiro perfeito
Para bajuladores e falsos

19 de novembro de 2012

Uma pedra e outra pedra


Uma pedra
E outra pedra
Um míssil estrelado
Aniquila sem piedade
Uma família palestina

Uma pedra
E outra pedra
Uma bala perdida
Arrasta pelo chão da morte
Mais uma criança carioca

Uma pedra
E outra pedra
Os mercenários do império
Arrasam um povoado
Na sua faxina afegane

Uma pedra
E outra pedra
Crianças adestradas
Como máquinas de extermínio
Dessangram o coração da África

Uma pedra
E outra pedra
Os bancos e seus capangas
Impassíveis amarram a corda
Que enforcará a vida
De um despejado na Espanha

Uma pedra
E outra pedra
Gordos e ricos fazendeiros
Maquinam armadilhas legais
Para exterminar seus irmãos índios

Uma pedra
E outra pedra
Que não lapidem nosso coração
Alcemos nossa consciência
E vomitemos vergonha

Uma pedra
E outra pedra
Com todas as mãos na massa
Edifiquemos a dignidade
Desta humanidade estuprada

12 de novembro de 2012

Variações


A mão aberta
O olhar profundo
O passo firme
A voz terna
O ouvido atento
O sorriso franco
O coração disposto

A mão firme
O olhar atento
O passo disposto
A voz franca
O ouvido profundo
O sorriso terno
O coração aberto

Combinações
Variações
Decisões

5 de novembro de 2012

A missão do poeta

Não direi nada novo
Não revelarei mistérios
Nem propagarei segredos
Simplesmente darei voz
Aos sentimentos que nos afogam
Às esperanças que nos nutrem
E aos amores que nos sustentam
Gritarei em solidariedade rebelde
A dor de quem não conta
O silêncio imposto
E a raiva contida
De quem habita a noite
Cantarei com todas as vozes
Em todas as línguas
E com todas as cores
Que a vida é uma dança
Quando o coração nos guia
Que as espinhas nunca abafarão
A fragrância das rosas
E que o sol retornará do exílio
Quando derrotarmos as trevas

29 de outubro de 2012

As cores da vida


Com todos os tons
Todos os matizes
E todas as misturas
Assim é o mundo
Assim é a vida
Que sonho e construo

Azul escuro
É o esforço das minhas lutas
Como o oceano infinito
Onde repousa a utopia

Verde floresta
É a justiça que persigo
Para que a vida floresça
No coração mais árido

Vermelho intenso
São os sorrisos e abraços
Que acendem nossa alma
Quando o inverno nos cerca

Amarelo pálido
São as perguntas que nos guiam
Diversas e eternas
Para nunca desistir da viagem

Alaranjado luminoso
São os frutos da paz semeada
Nascendo dentre as trevas
Anunciando o dia que germina

Branco imaculado
É o coração de quem ama
Reunindo num só gesto
Todas as cores da vida